"Não ter mais idade é ficar com essa impressão de que até um ato de revolta por tudo o que não fizemos quando tínhamos idade e agora não dá mais, não seria apropriado para a nossa idade". A frase de Luis Fernando Verissimo - publicada no artigo "Ter ou não ter" no Jornal O Globo em 2016, à época em que implantou um marcapasso no coração - revela algumas das principais características do escritor gaúcho: inteligência e bom humor para refletir desde os assuntos mais simples às questões sensíveis do ser humano e sociedade, como a passagem do tempo, a vida e a morte.
Luís Fernando Veríssimo: conheça cinco obras do escritor gaúcho
Aos 88 anos, Verissimo partiu ontem, 30, após complicações de uma pneumonia. Internado desde o início de agosto no Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre (RS), o autor morreu deixando um legado imensurável na literatura brasileira.
Filho do também escritor Érico Verissimo (1905-1975), Luis Fernando não escondia o respeito que tinha pelo trabalho do pai, inspirando-o a trilhar seu próprio caminho. "Muitas vezes eu sentava do lado dele à mesa e já lia quando a página saía da máquina de escrever. Ele escrevia muito rapidamente, deixando espaço entre as linhas. Depois, ele mesmo corrigia, acrescentava coisas. Ele mesmo passava a limpo. E eu acompanhava esse processo", recordou o autor em entrevista ao Zero Hora, em 2012.
Nascido em 26 de setembro de 1936, na capital do Rio Grande do Sul, Luis Fernando se tornou escritor, cartunista, tradutor, roteirista, publicitário, revisor, dramaturgo e romancista, tendo publicado mais de 80 obras ao longo de sua carreira. Destacando-se na crônica, usou de seu espaço nos jornais de grande circulação nacional para analisar, criticar, alertar e, simplesmente, divertir os leitores.
"Durante cerca de 50 anos de atuação contínua na literatura, esteve sempre presente no cotidiano dos brasileiros, o que é muito raro. Verissimo é alguém lembrado principalmente por saber usar a ironia para fazer críticas às diversas questões sociais e políticas, ele foi bastante necessário com as denúncias sobre o autoritarismo durante a ditadura", comenta Raymundo Netto, escritor, pesquisador e cronista do O POVO.
Dentre suas obras de maior destaque, "O popular" (1973), "A Grande Mulher Nua" (1975), "O analista de Bagé" (1981), "Ed Mort e Outras Histórias" (1996), "O clube dos anjos (Gula)" (1998) e "Comédias da vida privada" (2004) são algumas que passeiam entre o humor, a crítica social e a ironia.
"O adequado emprego do recurso 'ironia' na produção textual é uma prata que pertence àqueles (e àquelas) que mais exercitam e têm repertório. Não é para todo mundo, não. O texto de Verissimo, principalmente no que se refere à crônica, é divertido, fluido, de fácil leitura, sem obstáculos de estilo ou vocabulário rebuscado, além de tratar de temáticas e assuntos que fazem parte de nosso cotidiano, que poderiam acontecer conosco, o que favoreceu a sua leitura independentemente de faixa etária, credo ou fatores geográficos durante todos esses anos de atuação", argumenta Netto ao afirmar que os textos do escritor gaúcho proporcionam "uma alegria danada, uma sensação de humanidade possível, a certeza de que a literatura não é deste mundo, mas precisa ser para esse mundo".
Também músico, arriscando-se no saxofone, instrumento que segundo ele escolheria caso tivesse que "escrever ou ser um músico profissional", como revelou em 2017 à TV Brasil, Luis Fernando deixa a esposa Lúcia Helena Massa, com quem teve três filhos.
"Ele era um homem de poucas palavras e visivelmente muito tímido. Essa timidez disfarçava uma inteligência aguçada e um senso crítico formidável que ele conseguia extravasar por meio de seus desenhos e principalmente de seus textos. Sua arte traduz a expressão da crítica mais refinada, porém temperada pelo humor, pela leveza e pelo riso", comenta o escritor e professor cearense Carlos Vazconcelos. Parafraseando João Guimarães Rosa, completa: "Um artista não morre, fica encantado".
O escritor venceu em 2013 o Prêmio Jabuti, principal e mais tradicional da literatura nacional, com "Diálogos Impossíveis". Em 2014 foi homenageado por uma escola de samba durante desfile do Grupo Especial de Porto Alegre, no Carnaval.
"Luis Fernando foi um filósofo que instruiu a humanidade com lições bem humoradas. Prova maior não poderia existir quando diz que 'O mundo não é ruim, só está mal frequentado'. (...) O que ele disse é permanente, com a marca inconfundível dele. Veríssimo é escola, e muitos alunos virão, como já há muitos bebendo de sua fonte inesgotável", acrescenta o jornalista, escritor, cronista do O POVO e compositor cearense Tarcísio Matos.
(Colaboraram Raquel Aquino, Mariah Salvatore/Especial para O POVO e Júlia Vasconcelos/Especial para O POVO. Com informações de agências)
Principais obras
A estreia literária, com crônicas publicadas em jornais entre 1969 e 1972. Reflete sobre o uso do termo "popular", definido por ele como "uma figura tipicamente urbana", que "não tem domicílio certo e seu habitat natural é a margem dos acontecimentos".
Em 56 crônicas, o autor retrata o cotidiano urbano e reflete sobre a vida moderna a partir
da observação do comportamento das pessoas.
Traz histórias cômicas sobre um psicanalista gaúcho que atende com métodos não convencionais e conhecimentos "pseudo científicos", resolvendo anseios dos pacientes de forma politicamente incorreta.
Contos protagonizados pelo detetive particular Ed Mort, que usa o "jeitinho brasileiro" para resolver mistérios. Uma paródia ao gênero policial.
Livro com crônicas que retratam a vida da classe média brasileira e que rendeu uma série de televisão. São pequenas e grandes tragédias do dia a dia, com enredos bem-humorados sobre infidelidade, relações familiares etc.
Homenagens
“Sua descrição bem-humorada da sociedade ganhou espaço nas livrarias e na TV, com a Comédia da Vida Privada. E, como poucos, soube usar a ironia para denunciar a ditadura e o autoritarismo; e defender a democracia. Eu e Janja deixamos o nosso carinho e solidariedade à viúva Lúcia Veríssimo – e a todos os seus familiares”
Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil.
“Sinto fortemente a perda de um autor amigo, comprometido com a melhor literatura e com as causas sociais do nosso país. Autor fidelíssimo que fará falta a todos da editora e a todo o Brasil”
Luiz Schwarcz, escritor, editor e fundador da Companhia das Letras.
“Sua obra tem um valor inestimável para a literatura moderna. Usando o humor com maestria, nos fez refletir sobre o dia a dia das relações humanas no mundo contemporâneo. Com sua visão e sensibilidade, Luis Fernando Veríssimo marcou seu nome na literatura brasileira”
Margareth Menezes, ministra da Cultura.