Sob a batuta de Hugo Motta, um maestro sempre aquém do seu papel, a orquestra da Câmara dos Deputados se lançou numa marcha desembestada que incluiu a redução de pena para golpistas e a manutenção do mandato a quem tentou fragilizar o regime democrático. Às vésperas dos festejos natalinos, trata-se de presente antecipado para quem foi às ruas naquele 8 de janeiro de 2023. Ao menos é o que o presidente da mesa-diretora pretende fazer crer, ou seja, que o Congresso se movimenta na esteira do clima pré-eleitoral.
É justo o contrário. Os deputados e deputadas estão preocupados de fato é com o "emendão" que se anuncia nas investigações da PF e cujo potencial de estrago no Legislativo está por se calcular. Daí que Glauber Braga, parlamentar do Psol, tenha sido escolhido para a crucificação no altar do centrão, com Arthur Lira exercendo o papel de Herodes à caça daqueles que podem ameaçar o suposto esquema agora posto a nu com a quebra do sigilo de sua ex-assessora de longa data - a perseguição se estendeu até para a imprensa, escorraçada do plenário.
Ora, há razão para que Brasília esteja dormindo mal. Afinal, o horizonte de apuração policial mira um montante de 40 mil emendas do chamado orçamento secreto, despejadas entre 2020 e 2024, exatamente o período durante o qual Lira teria se imposto como "il padrino" de uma "máfia" (palavras do relatório da PF) cuja especialidade seria destinar recursos públicos para prefeituras que depois se comprometeriam a devolver um terço - por isso a alcunha de "emenda religiosa", embora seu teor fosse pecaminoso.
Cardeal máximo dessa triangulação, o deputado alagoano teria planejado então o sacrifício de Braga como punição exemplar a outros que cogitassem caguetá-lo. A estratégia fracassou, no entanto. Por duas razões: Motta é uma figura débil; o Supremo (leia-se, Flávio Dino) já desvendou o mecanismo por trás de toda a ojeriza que os deputados vêm dedicando aos magistrados. Logo, a tendência é de que as tensões se elevem à medida que os trabalhos da PF avancem sobre Lira e demais alvos, entre os quais estão deputados do Ceará.