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Wilson Sabóia: o cearense por trás da taça
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Wilson Sabóia: o cearense por trás da taça

Técnico da seleção feminina há 10 anos, o professor de educação física comandou o Brasil no título da Copa do Mundo de Futsal
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Wilson Sabóia, técnico da seleção brasileira feminina de futebol, durante o programa Esportes O POVO (Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA Wilson Sabóia, técnico da seleção brasileira feminina de futebol, durante o programa Esportes O POVO

Primeiro técnico campeão mundial de futsal feminino, o cearense Wilson Sabóia se destaca por seu trabalho na canarinho e nas instituições educacionais cearenses. Com 35 anos dedicados ao esportes — sendo 24 deles pelo time feminino da Universidade de Fortaleza (Unifor) e 10 pela seleção brasileira —, o professor de educação física levantou a taça logo na primeira Copa do Mundo organizada pela Fifa na história da modalidade.

Ao O POVO, o profissional contou os bastidores da preparação da seleção para a disputa do Mundial, que aconteceu nas Filipinas em dezembro deste ano e explicou o processo de formação do grupo campeão. Na ocasião, o Brasil foi campeão com 100% de aproveitamento.

Além da parte profissional do esporte, o treinador falou sobre a formação de novos talentos cearenses no futsal nacional e regional. Como educador, Wilson enxerga que tanto ele, quanto as instituições educacionais, em geral, têm como missão formar novos ídolos no esporte.

O POVO - O senhor já tinha vencido outros mundiais que não tinham chancela Fifa. Como foi a experiência de disputar o primeiro torneio Fifa da história da modalidade e quais foram as diferenças estruturais?

Wilson Sabóia - O Mundial Fifa é muito organizado, organizadíssimo. Desde o sorteio, que foi a primeira fase, dia 11 de setembro, até os jogos, a estrutura de hotel, a estrutura de logística. A Fifa é muito organizada nesse aspecto. Então, no nível de comparação dos outros mundiais que a gente teve sem chancela Fifa, com esse, o nível de qualidade é gigantesco.

OP - Quais as principais diferenças para os mundialitos pré-Fifa?

Wilson - A gente foi campeão mundial em 2015 na Guatemala. Lógico que a ficamos em um bom hotel, a competição foi organizada, mas não era uma competição da Fifa. Não tem o glamour, não tem a marca, não tem a medalha. Falta a estrutura mesmo: uma estrutura de estafe, de organização. Eles (Fifa) são super-rigorosos, e isso é muito importante para poder vender o esporte e o produto.

OP - De que forma a parceria com a CBF (Confederação Brasileira de Futebol), firmada em 2021, melhorou as condições de trabalho da seleção feminina?

Wilson - Pré-parceria, a gente trabalhava com a CBFS (Confederação Brasileira de Futsal), tínhamos somente duas ou três convocações por ano, pouquíssimo. Não dava para fazer um trabalho a médio e longo prazo. Então não tinha a organização que a CBF tem. Quando a CBF abraçou o futsal masculino e feminino, as seleções passaram a ter um calendário anual, com cinco, seis convocações, com torneios. Então, a tivemos como mensurar e planejar todas as questões para esse Mundial. Esse Mundial, lógico, foi ganho agora, mas vem sendo trabalhado desde 2021.

Com mais de 100 atletas convocadas, com mais de 12 convocações, com torneios jogando na Europa, com torneios jogando no Brasil, para poder escolher as 14 atletas que representaram o Brasil tão bem nesse Mundial.

OP - Como foi feita a triagem para, de 100 nomes, chegarem nos 14 que disputaram o Mundial?

Wilson - A gente foi mapeando. A gente quem? A comissão técnica, que não sou só eu. Mapeávamos cada um na sua função: assistíamos aos jogos, os links. O nosso analista de desempenho, Alan, pegava os jogos do final de semana. Por exemplo: eu ia assistir ao jogo do Campeonato Italiano, o meu auxiliar assistia ao jogo do Campeonato Espanhol, o outro assistia ao jogo da Liga Nacional. Então cada um assistia a um jogo, mapeava as atletas, e o analista de desempenho pegava um minuto e meio, dois minutos dessas atletas, de que forma atacavam, de que forma defendiam, para gente mensurar e realizar a convocação.

OP - Sobre a vivência pré-Copa do Mundo, como foi o preparo da equipe?

Wilson - Não podíamos pensar somente no dia 7, que era a final; tínhamos que começar bem antes. Tivemos dois amistosos em Lages (SC), treinos em Lages, depois tivemos um torneio na Tailândia com mais dois jogos contra Tailândia e Nova Zelândia, também treinando e jogando, para depois ir para as Filipinas. Uma das coisas importantes é a questão do jet lag, que é o fuso horário: são 11 horas de diferença.

O que a ciência fala? Que cada dia que você sai daqui para lá, você ganha 1 hora. Então a gente teria que chegar lá próximo de 11, 12 dias antes para poder, no período da competição, estar todo mundo equilibrado. A gente preparou isso com o nosso fisiologista, com a nutrição; a CBF levou um cozinheiro. Então foram várias cabeças pensando em prol do resultado, que foi o título.

OP - Quais eram as principais dificuldades vivenciadas antes da parceria com a CBF e a chegada da Fifa e como os acordos ajudaram a desenvolver um melhor trabalho?

Wilson - Sou profissional de educação física há 35 anos, trabalho na escola, no clube, na universidade. Na seleção brasileira estou há 10 anos. Sou mestre e doutor em educação. Vejo que melhorou muito, mas precisa melhorar mais ainda. Precisamos saber vender o produto: vender não só o futsal feminino, mas vender a identidade do jogo, a estética do jogo. Precisamos ter gestores mais competentes para gerar esse produto vendável. Esse é o primeiro ponto.

O que melhorou com a Fifa? A organização, o legado que vai ficar. Uma criança, uma menina de 10, 12 anos, que assiste a um jogo, vai querer permanecer jogando futsal na escola. Se ela não vê nenhum jogo, dificilmente vai querer permanecer. Talvez vá para o campo. Se ela vier do futsal, ela permanece no futsal. Então são vários legados que essa Copa do Mundo vai trazer, principalmente com a conquista do Brasil.

OP - A camisa da seleção brasileira é muito conhecida no futsal. Como o senhor enxerga o desafio de representar um legado tão importante?

Wilson - Toda vida que convoco a seleção brasileira, e não é só nos treinamentos, a partir da convocação, de observar atleta, a gente já tem que pensar que temos que fazer o melhor pelo país. Para produzir qualidade no jogo, para produzir e, logicamente, vender esse produto para a mídia de forma geral.

Então, a gente pensa assim: em fazer um grande trabalho, desenvolver o futsal em todos os níveis para formar mais Manoel Tobias, mais Falcões, mais Amandinhas, mais Emilys. Eles são quatro ícones, mas passam. A gente tem que formar outros ícones do futsal.

OP - Como você observa, tanto o papel de professor como no de treinador, a formação dos jovens atletas do futsal cearense e brasileiro?

Wilson - Acho que, para formarmos grandes atletas, não só no futsal, mas em todos os esportes, a base é na escola. Então, a gente precisa capacitar os profissionais de educação física, dar oportunidade de treinamento para esses profissionais, para que eles possam treinar os atletas nas escolas, para posteriormente esses atletas irem para os clubes, serem treinados pelos clubes, e, posteriormente, irem para a universidade. É uma sequência: escola, clube e universidade.

Se contemplarmos essas três, juntamente com o apoio da CBF, do CBDE (Confederação Brasileira de Desporto Escolar), do CBDU (Confederação Brasileira de Desporto Universitário), tenho certeza de que, no médio a longo prazo, a gente vai ter grandes profissionais, treinadores formados para desenvolver esses aspectos técnicos e táticos. Mas, principalmente, no final do ciclo, vamos ter grandes atletas que competem bem, que são referências.

OP - Quais as dificuldades de conciliar os afazeres de treinador e professor?

Wilson - Converso muito com os coordenadores das instituições que leciono. Sempre quando viajo, deixo uma pessoa no meu lugar, pago logicamente por mim, para que os alunos não se sintam lesados, de estarem pagando uma aula e não terem aula. Não sei se você sabe, mas existe uma lei que diz que quando você representa a seleção brasileira, suas faltas são abonadas, porque você está representando o país. Tem uma lei específica para isso. Só não sei o número específico agora. Não seria ético da minha parte viajar e deixar meus alunos sem aula. Então, a gente sempre deixa profissionais competentes para trabalhar na minha ausência.

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