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Meu primeiro professor
Jornal-Do-Leitor

Meu primeiro professor

Edição Impressa
Tipo Notícia
Uma das lembranças mais antigas que tenho dele é de quando montava uma enorme estante de madeira. Dizia que era uma cama onde poderíamos descansar e ter lindos sonhos. Abarrotada de livros sobre os mais diversos assuntos, de enciclopédias aos clássicos da literatura universal, passando por maçonaria e ufologia, a estante ficava na sala, com todo aquele conhecimento disponível pra quem quisesse.

 

Ali mesmo, aos quatro anos, eu juntava as sílabas que encontrava nas laterais dos grossos livros de capa dura e tudo aquilo ganhava sentido pra mim. Agora eu poderia escolher aqueles que queria ler, não só pelas figuras. Orgulhoso, ele fazia questão de me pedir para ler as palavras dos livros, rótulos, outdoors. Dizia que quando não estivesse mais por aqui, a coleção com os doze volumes dos Contos de Grimm seria minha.

 

Minha aventura no mundo das palavras estava apenas no início: não demorei muito para começar a escrever. Meu gênero preferido era poema. E é óbvio que ele era o meu primeiro leitor. Inicialmente das tarefas escolares, depois dos textos espontâneos. Quando chegava em casa, perguntava se eu não tinha escrito nenhum poema naquele dia. Lia-os em voz alta com eloquência, dava vida aos textos, tecia comentários elogiosos ao final. E eu ficava com vontade de escrever sobre tudo, até sobre um apontador em forma de carneirinho que ele me deu e eu apelidei de "Bolota".

 

Eu também era leitora e fã - ele havia publicado alguns textos em Antologias Literárias do banco onde trabalhava, e deixou um livro inteiro de poemas quase pronto para publicação. Nele estava um acróstico que fez pra mim, dizendo ser um dos textos mais inspirados que já escreveu.

 

Acho que herdei dele esse amor pelos livros e pela escrita. Soube por uma tia, quando passei no vestibular (dois anos após a morte dele), que ele também tinha cursado Letras. Acho até que ele foi meu primeiro professor. Não à toa que eu não o chamava de vovô, e sim de pai. Painho.

 

A última vez que o vi foi justamente no dia dos pais. Custei a me despedir, pois não queria deixá-lo partir. E hoje não escrevo mais poemas, acho que me expresso melhor em prosa.

 

Este texto acabou ganhando um tom meio triste, diferente do esperado inicialmente. Mas tenho aprendido - desde as minhas primeiras leituras, passando pela faculdade até minhas experiências como professora - que as palavras, ao saírem da mente de quem as escreve, ganham vida própria e assumem novos sentidos.

 

É isso. Enquanto há vida, há aprendizado. É o que meu avô me ensina até hoje.

 

Isathai Coelho 

Correspondente Mestre do Colégio Nova Dimensão

 

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