O candidato esquerdista Pedro Castillo se declarou ontem vencedor das eleições no Peru, embasado em contagens extraoficiais feitas por seus próprios auditores. Em discurso na sede do seu partido, o Peru Livre, ele afirmou que a vitória está assegurada. "O povo falou", disse Castillo, tirando seu chapéu e levantando os braços. "Obrigado por serem vigilantes da vontade popular."
Com 99% das atas contabilizadas, até o fechamento desta página, Castillo mantinha-se à frente de Keiko Fujimori, filha do ex-ditador Alberto Fujimori, por uma pequena margem - 75 mil votos ou 0,4 ponto porcentual (50,21% x 49,79%).
Keiko e seu partido, o Força Popular, esperavam que os votos do exterior os ajudassem a encurtar a distância. Isso aconteceu parcialmente: a diferença em favor do candidato de Castillo, que na segunda-feira chegou a 95 mil votos, vem caindo.
Com 89,5% das urnas vindas de fora do país já apuradas, Keiko teve 66% dos votos de expatriados. Castillo, 34%. Tudo indica, porém, que a diferença não será suficiente para reverter o cenário. As atas vindas de áreas mais remotas do Peru, reduto eleitoral do professor e sindicalista, vêm mantendo a vantagem.
"De acordo com informações dos nossos auditores, já temos a contagem do partido. O povo se impôs, e agradecemos. Por isso, pedimos para que não caiam em provocações", disse Castillo, no início do seu discurso, com barulho de buzinas ao fundo, referindo-se às alegações de fraude.
Na segunda-feira, 7, Keiko disse que seria vítima de uma "fraude sistemática", sem apresentar evidências. De acordo com ela, seu adversário estaria manipulando as atas, o que poria em dúvida a credibilidade da eleição. Observadores internacionais, no entanto, dizem não haver sinais de irregularidades.
No mesmo dia, o chefe dos enviados da Organização dos Estaods Americanos (OEA), Rubén Ramírez, parabenizou as autoridades peruanas pela "organização de um processo de grande complexidade marcado pela pandemia e pela polarização".
Keiko, contudo, já solicitou na noite de ontem perante o tribunal eleitoral do Peru a anulação de cerca de 200 mil votos. O objetivo dos fujimoristas é anular as chamadas "atas contestadas", que contêm alguma irregularidade, como dados ilegíveis, rasuras e dúvidas sobre assinaturas.
Ontem, o Júri Especial Eleitoral (JEE), responsável pela análise em primeira instância, começou a julgar os milhares de votos impugnados, uma tarefa que deve durar dez dias, segundo a presidente do órgão, Alicia Margarita Gómez. A decisão final sobre a validade do voto é do Júri Nacional de Eleições (JNE).
Na terça-feira, o presidente do JNE, Jorge Luis Salas Arenas, afirmou que as revisões serão transmitidas ao vivo, para garantir um processo "independente e imparcial". Ele rejeitou as acusações de fraude, dizendo ser "muito perigoso" colocar em xeque toda uma eleição por conta de alguns incidentes.
Segundo especialistas, o número de pedidos de revisão não é muito diferente do registrado em votações anteriores, mas Keiko alega que a contestação, ocorrida especialmente em áreas onde ela teve mais votos, é uma estratégia de Castillo para "distorcer ou atrasar" os resultados oficiais. Segundo estimativas, cerca de 300 mil votos estariam sub judice.
Para que a vitória seja oficial, a autoridade eleitoral precisa contar todas as atas e o JNE finalizar a análise dos pedidos de impugnação. Se a eleição de Castillo for confirmada, será a terceira derrota consecutiva de Keiko no segundo turno - ela já perdeu para Ollanta Humala (2011) e Pedro Pablo Kuczynski (2016).
A cotação do dólar vem subindo nos últimos dias em razão da incerteza política em um país que teve quatro presidentes diferentes nos últimos cinco anos. Se eleito, Castillo prometeu rever o modelo econômico peruano, que facilitou o crescimento, mas aumentou as desigualdades.
Na segunda-feira, Castillo divulgou um comunicado voltado ao mercado, se comprometendo a manter a autonomia do Banco Central e ressaltando que seu plano econômico não inclui medidas como nacionalizações, expropriações e controle de câmbio. Na terça-feira, ele garantiu ter conversado com empresários, um dos setores mais críticos à sua candidatura.
"Acabo de conversar com o empresariado nacional, que está demonstrando apoio ao povo. Vamos criar um governo que respeite a democracia, a Constituição, com estabilidade financeira e econômica", afirmou o candidato, que há algumas semanas havia defendido uma ampla reforma constitucional no Peru.
Enquanto centenas de partidários de Castillo fizeram um "plantão" frente à sede do JNE no centro de Lima, milhares de seguidores de Fujimori se reuniram à tarde nesta quarta-feira para denunciar "fraude" no Campo de Marte, um grande parque da capital.
As eleições deixaram evidente que o país não tem apenas uma disputa política, mas também entre Lima e o interior do país, relegado por séculos e muito afetado pela recessão econômica provocada pela pandemia.
Na região andina de Cusco, a antiga capital do império inca, Castillo recebeu 83% dos votos, e em Puno, às margens do lago Titicaca, 89%. Nessas áreas predominam as populações quechua e aymara, respectivamente.