Ao longo da história o Afeganistão ensinou lições importantes a diversas potências estrangeiras que tentaram dominar seu território. Elas cometeram erros que culminaram num mesmo fim: o fracasso de suas operações militares e a entrada de seus nomes em uma lista que faz o Afeganistão manter, há séculos, a fama de cemitério dos grandes impérios.
Invadir o Afeganistão não é das tarefas mais difíceis, mas mantê-lo sob controle é um desafio que já derrubou poderosos. Passaram por lá o imperador persa Dario, o macedônico Alexandre, o Grande - que fundou Kandahar (Alexandria de Arachosia), segunda maior cidade afegã - e também os impérios mongol e indiano.
À época dos grandes imperadores já entendia-se duas coisas: a importância do território em si e que controlar aquele estratégico pedaço de terra no centro da Ásia, cercado por imponentes cadeias montanhosas e sem acesso ao litoral, seria uma tarefa árdua.
No Afeganistão "moderno", num contexto de disputas de terras asiáticas entre britânicos e russos, o país ficou conhecido como Estado-tampão. Por estar numa zona limítrofe entre os dois maiores impérios do século XIX, foi necessária a criação desse estado para o choque de grande proporções entre as potências, o que poderia impactar boa parte do planeta à época.
Na tentativa de dominar o Afeganistão, o império britânico perdeu três guerras contra clãs locais e assinou um tratado que reconheceu, em 1919, o atual estado afegão independente. Os 102 anos da independência afegã foram celebrados nesta semana em meio a protestos contra a volta do Talibã.
Palco de frequentes conflitos étnicos, disputas religiosas e interesses geopolíticos, o próprio relevo afegão facilita a operação de guerrilheiros locais, que conhecem muito melhor a área, e dificulta a ação de invasores. Outra prova disso foi a fracassada invasão soviética, iniciada em 1979, sob pretexto de combater grupos islâmicos que levariam sua luta às nações do bloco soviético.
Iago Caubi, pesquisador do Núcleo de estudos sobre Geopolítica, Integração Regional e Sistema Mundial (GIS-UFRJ) aponta que a derrocada da União Soviética, que teve seu fim em 1991, passou por uma derrota no país asiático.
“No caso da invasão soviética (1979-1989), a vitória de combatentes afegãos, que expulsaram os soviéticos ainda em 1988, causou profundo abalo interno”, tendo contribuído para o desmantelamento do bloco nos anos seguintes.
Lucas Leite, professor de Relações Internacionais da Faap, analisa que o ocidente erra ao pensar que uma vitória militar fácil no Afeganistão significa uma vitória política fácil.
“Há diversas etnias e, por tanto, muitos chefes de guerra (warlords) que têm papel essencial na estabilidade política, social e econômica das regiões. As vitórias militares são tranquilas porque os invasores têm poderio maior e capacidade de imposição, mas a administração é complexa”.
A responsabilidade pela fama afegã de “cemitério de impérios” é, portanto, dos próprios invasores. “Mesmo com todos os recursos, as grandes potências não levam em conta os aspectos domésticos. Fatores internos, de organização social e política, a questão dos próprios países vizinhos e suas rivalidades. Há uma complexidade muito grande nas relações sociais e políticas da região e do próprio Afeganistão que impedem uma imposição fácil”, explica Leite.
Ele aponta ainda que após a invasão, a reconstrução é custosa e por si só não basta. “Há uma carga de identidade local que não é levada em conta no cálculo e que seria importante para perceber em que medida há uma aceitação desse processo por agentes estrangeiros”, defende, acrescentando ainda que, no geral, “percebe-se que não existe tal aceitação pelos afegãos” dessas intervenções.
Caubi concorda com a análise e ressalta que o contexto histórico de invasões prejudicou o desenvolvimento do país. “Hoje o Afeganistão tem a maior parte de sua estrutura produtiva e urbana destruídas, com grande parte da riqueza cultural milenar destruída por fundamentalistas do Talibã e com uma população abandonada pela comunidade internacional, de novo”, encerra.