Assumir o lugar de uma liderança bem avaliada, sem que a sombra desta persiga o sucessor, é tarefa árdua em qualquer âmbito da vida. Na política não é diferente. Na Alemanha, que vai às urnas em 26 de setembro, boa parte da população que deve votar ainda não sabe qual caminho escolher para a sucessão da chanceler Angela Merkel.
Pesquisa divulgada na semana passada pelo Instituto Allensbach mostrou que quatro em cada dez potenciais eleitores (o voto não é obrigatório) ainda não sabem em quem votar a cerca de uma semana do pleito. Um recorde. Há candidatos variados à sucessão (ver gráfico), mas é inegável que o fim da era Merkel é também o adeus a uma estadista capaz de unir pessoas diferentes.
Governantes existem aos montes. Já os estadistas, mais raros, pensam à frente. Merkel demonstrou ao longo de uma década e meia no poder ter essa habilidade política necessária para se relacionar bem com países e atores distintos, em contextos variados, na maior parte das vezes com tranquilidade e preservando as boas relações.
As pesquisas mais recentes indicam que o SPD, partido de centro-esquerda, está na liderança com 26% das intenções de votos, seguido pela coalizão cristã entre a União Democrata-Cristã (CDU), partido de Merkel, e a União Social-Cristã (CSU) da Baviera, que tem a preferência de 21%. O cenário segue indefinido e mesmo ter um governo bem avaliado, carro-chefe para emplacar um sucessor, não parece ser uma garantia.
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Armin Laschet, o candidato de Merkel, vem caindo em popularidade mês a mês devido a rachas internos na aliança partidária conservadora e a episódios que arranharam sua imagem, como quando foi flagrado rindo ao visitar uma das cidades mais devastadas pelas inundações que mataram quase 200 pessoas no país há cerca de dois meses.
Quem cresceu com isso foi o candidato do SPD, Olaf Scholz, que tem obtido sucesso ao se vender como herdeiro natural de Merkel. Isso porque é atual ministro de Finanças, vice-chanceler e está longe de ser uma oposição radical. Sua atuação na resposta à pandemia de Covid-19, amenizou os efeitos da recessão econômica na Alemanha.
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Os verdes aparecem em terceiro nas pesquisas, com 17%, podendo ser o fiel da balança para a formação de um governo num sistema parlamentarista onde coalizões definem os rumos. Completam a lista o liberal FDP (11%), a Alternativa para Alemanha, AfD, de extrema direita (11%) e o partido A Esquerda (6%). Os dados são do levantamento mais recente do site Politico, que compila informações das principais pesquisas eleitorais.
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Uma eventual falha da CDU em emplacar um sucessor após um governo longo e bem avaliado pode ser reflexo de uma acomodação, segundo Fabio Gentile, cientista político italiano com PhD pela Universidade L'Orientale de Nápoles.
“O problema dos governos e de partidos marcados por uma liderança forte é a falta de criação de novas classes dirigentes, com novas ideias e agendas”. Para ele, esse é um dos motivos que explica o rival eleitoral Scholz (de centro-esquerda) aparecer como “o mais provável ganhador das eleições”.
Quem ganhar a eleição terá desafios numa Alemanha que nos últimos anos acostumou-se a termos como tranquilidade e solidez. Demetrius Pereira, professor de Relações Internacionais da ESPM, destaca que o maiores desafios na era pós-Merkel se projetam no campos econômico e político com “a questão da recuperação econômica após o fim da pandemia”
E com “questões de imigração com muitos refugiados vindo para a Europa”. Segundo ele, a Alemanha está consolidada e deve haver uma transição “suave”, mas há questões externas e internas que são “desafiadoras” e não estão totalmente resolvidas.
Já o partido Alternativa para a Alemanha (AfD), apontada como neonazista e terceira sigla mais votada em 2017, na esteira da crise migratória que gerou amplas críticas ao governo Merkel por ter “cedido demais”, projeta-se que deva sair enfraquecida. Grandes partidos como CDU e SPD, favoritos na disputa, não fazem coalizão com a AfD, o que no modelo parlamentarista local significa isolamento.