Chegando à Conferência Climática das Nações Unidas (COP 26) com a missão de reverter um status de pária ambiental - ou algo muito perto disso -, o Brasil se comprometeu a zerar desmatamentos ilegais e reduzir as emissões de poluentes durante negociações do evento ocorrido em Glasgow, na Escócia, nas últimas semanas. Outrora protagonista na seara ambiental, o País tenta recuperar credibilidade apesar do desmatamento recorde.
 O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) foi um dos líderes mundiais que não compareceram ao evento, fato que, para analistas, apenas reforça que a pauta ambiental não é prioridade. O desmatamento da Amazônia passou da média anual de 6,5 mil km² na década passada para quase 10 mil km² desde o início da gestão Bolsonaro.
Coube ao ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, anunciar a revisão de metas climáticas do País no pavilhão do Brasil na COP 26. A previsão anunciada foi de um corte de 50% das emissões de gases do efeito estufa até o ano de 2030 (antes era de 43%). O governo pretende ainda zerar o desmatamento ilegal, alcançando redução de 50% até 2027. Leite também anunciou a meta de neutralidade de carbono até 2050.
Ambientalistas apontaram que o governo não ampliou o compromisso de reduzir as emissões e que houve "pedalada climática". Elze Rodrigues, professora de Relações Internacionais e pesquisadora de temáticas relacionadas ao Meio Ambiente, avalia que o discurso de Leite seguiu o tom de Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU, em setembro, em termos de maquiar medidas e dados acerca da questão climática no Brasil.
"O Brasil, na gestão Bolsonaro, distribui o menor número de multas ambientais em décadas, tudo isso num contexto de desmonte e aparelhamento de mecanismos do Meio Ambiente. Na COP, o ministro (Joaquim Leite) mentiu sobre a questão da ampliação das metas de redução de emissões brasileiras. Foi uma pedalada ambiental", explica.
Em 2015, o governo da Dilma definiu a redução de 43% das emissões até 2030 em relação aos valores emitidos em 2005. À época, o Brasil havia emitido 2,1 bilhões de toneladas de carbono, então poderia emitir 1,2 bilhão de toneladas por ano até 2030. No ano passado, o governo Bolsonaro fez uma revisão das emissões e concluiu que o Brasil havia emitido 2,8 bilhões de toneladas em 2005, aumentando a margem de emissão para 1,6 bilhão até 2030.
Já neste ano, em uma nova revisão, o governo apontou que o País emitiu 2,4 bilhões de toneladas de carbono em 2005. Com o aumento da meta de redução para 50%, o Brasil deve emitir 1,2 bilhão anualmente até 2030, ou seja, o mesmo valor acertado pelo governo Dilma. Para o ex-ministro do Meio Ambiente Carlos Minc (PSB), o governo fez apenas uma correção voltando às metas do Acordo de Paris, mas em um cenário climático mais grave.
Em relatório publicado no mês passado, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente reconheceu que, em 2020, o Brasil recuou das metas acordadas e violou uma cláusula do Acordo de Paris, que exige que os signatários não diminuam os compromissos.
O ministro Joaquim Leite fez um balanço da participação do Brasil na COP. "Foi trabalho árduo", disse, afirmando ter se reunido com representantes de 24 países durante a 26ª edição da Conferência. Segundo o ministro, o Brasil teve papel de articulador no encontro.
Leite foi questionado sobre o aumento do desmatamento no Brasil, divulgado pelo Inpe, e disse que discutirá o tema em Brasília. "O desmatamento é desafio brasileiro, mas aqui estamos falando do desafio global", disse. "Não estamos fugindo do desafio. Vou me encontrar com o ministro da Justiça para entender esses números. Vi, mas quero que ele me explique melhor", comentou.
Em conversa com O POVO, a professora da ESPM Carolina Pavese relatou que o aumento de desmatamento e os cortes de verbas para pesquisas vinculadas ao Meio Ambiente deixam claro que as ações do governo têm refletido, na prática, um caminho inverso ao compromisso firmado pelo Acordo de Paris. "É uma perda muito grande tanto pela relevância da biodiversidade brasileira quanto pela nossa participação nas emissões".
Para o cientista político Fábio Gentile, a política ambiental do governo Bolsonaro é "negacionista, entreguista e com tendência a não negociar". Segundo ele, é baseada na ideia de conspiração. "Tudo que é cobrado em termos de política agrícola, ambiental e econômica ao Brasil é apresentado pelo governo como um complô contra o País", avalia.
De positivo na participação brasileira, Elze destaca a articulação dos governadores estaduais. Segundo a pesquisadora, o clima está amplamente vinculado a questões econômicas e comerciais e os governos estaduais estão atentos.
"É uma forma de conseguir investimentos para projetos. Sabendo que não podem contar com o governo federal, estão indo direto na fonte. Claro, pensando também na corrida eleitoral do ano que vem, mas agindo de alguma forma para combater as mudanças climáticas", conclui.(Vitor Magalhães)