A composição do novo governo alemão, com sociais-democratas, liberais e verdes, é uma novidade dentro do próprio país e tende a ser uma má notícia para o governo brasileiro do presidente Jair Bolsonaro (PL). A Alemanha será comandada por Olaf Scholz, político de uma legenda com relações históricas com o PT no Brasil e que terá em pastas importantes membros do Partido Verde, que defendem agendas ambientais.
As relações brasileiras com a maior economia da União Europeia se desgastaram nos últimos anos na seara do meio ambiente e não dão sinal de melhora. Com os Verdes, de tendência mais à esquerda, a pauta ambiental será um pilar da política externa da nova administração. A líder da legenda, Annalena Baerbock, assumirá o Ministério das Relações Exteriores e a sigla ficará responsável ainda pela recém-criada pasta de Clima.
Em ascensão na Europa, os verdes adquiriram musculatura política que os dá força para negociar e pressionar. Eles já conseguiram que o novo governo alemão se comprometesse a eliminar o uso de carvão até 2030, oito anos antes do previsto.
A ideia é neutralizar o impacto climático nacional até 2045, o que demanda amplos investimentos, ao mesmo tempo em que se mantém o equilíbrio fiscal defendido pelos liberais. Desafio grande.
Elze Rodrigues, professora de Relações Internacionais e pesquisadora de temas vinculados ao meio ambiente, defende que a inserção de uma ambientalista no comando da política externa alemã projeta uma “diretriz de trabalho a favor da cooperação ambiental e climática”, com países que estejam dispostos a colaborar. No caso brasileiro, ela projeta ser “altamente provável que o País receba mais pressão” para melhorar os resultados.
Enquanto a Alemanha pretende intensificar a luta climática, a agenda brasileira continua sendo criticada. Recentemente o Brasil foi acusado de segurar dados sobre o desmatamento durante a Conferência do Clima (COP-26) em Glasgow, na Escócia.
Números do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgados em 18 de novembro, mostram que o desmatamento na Amazônia, entre agosto de 2020 e julho deste ano, foi o maior registrado, com 13,2 mil km² de área devastada. A nota técnica com os dados foi produzida em 27 de outubro, quatro dias antes da COP-26, mas só foi divulgada 22 dias depois.
Iago Caubi, pesquisador da UFRJ, considera ser natural que as relações Brasil-Alemanha sejam impactadas com o novo governo. “Os verdes já faziam pressão nessa pauta durante a gestão Merkel. Agora, como ocuparão ministérios importantes, creio que as cobranças serão mais intensas. Apesar de Scholz buscar um posicionamento mais pragmático, os verdes terão, de fato, poder político para pressionar”, comenta.
Os especialistas ouvidos pelo O POVO avaliam ainda que, caso não haja mudança na postura brasileira, os entraves do acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul podem aumentar. “São entraves, sobretudo ambientais, colocados no governo brasileiro e não necessariamente no Estado brasileiro. Essa retórica é adotada tanto pela Alemanha quanto pela França”, comenta Elze.
Na coalizão alemã, socialistas e verdes podem travar ainda mais o acordo caso o Brasil não cumpra suas metas climáticas. O Partido Social-Democrata (SPD) tem ligações históricas com o PT e com o ex-presidente Lula, devido às raízes na atividade sindical presente em ambas as siglas.
A boa relação possibilitou um encontro entre Scholz e Lula no mês passado, em Berlim. Nas redes sociais, o futuro chanceler alemão disse estar “muito satisfeito com as boas discussões” e projetou a continuidade da relação ao afirmar que aguarda “com expectativa continuar nosso diálogo".
I am delighted by our good discussions and look forward to continue our dialogue! https://t.co/k13bIenQ1r
— Olaf Scholz (@OlafScholz) November 13, 2021
Para Elze, a boa recepção que Lula teve ao viajar pela Europa para conversar com lideranças locais como Scholz (Alemanha), Macron (França), e Sánchez (Espanha) não significa que há preferência pelo petista, mas “demonstra que Bolsonaro é preterido pelo histórico de relacionamento difícil com alguns líderes".
Caubi, por sua vez, avalia que exite uma preferência: “Não é pela pessoa Lula, mas pelo que ele representa. No sentido de ter o Brasil como um aliado naquilo que a Alemanha considera um foco da política externa”, conclui.