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Cúpula das Américas expõe relação distante entre Biden e América Latina
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Cúpula das Américas expõe relação distante entre Biden e América Latina

Casa Branca não consegue definir metas claras para a região além da questão migratória e continente não é prioridade, segundo analistas
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EVENTO em Los Angeles tem sido marcado por desconfianças em relação à postura da Casa Branca junto ao continente (Foto: ANNA MONEYMAKER / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / GETTY IMAGES VIA AFP)
Foto: ANNA MONEYMAKER / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / GETTY IMAGES VIA AFP EVENTO em Los Angeles tem sido marcado por desconfianças em relação à postura da Casa Branca junto ao continente

O logo da Cúpula das Américas virou uma piada nos corredores do evento em Los Angeles. Na imagem, triângulos formam o mapa da região, segundo um embaixador presente, o retrato do encontro: cada figura apontando para lados diferentes. Para analistas e diplomatas, a ausência de uma estratégia americana revela que a América Latina não é uma prioridade para os Estados Unidos.

"A América Latina é a parte do mundo que tem recebido menos atenção e não é priorizada", diz Ian Bremmer, fundador da consultoria Eurasia Group. A desorganização dos americanos é citada por representantes de governos como uma demonstração de pouco engajamento com a região.

AGENDA

A definição da agenda, diretrizes logísticas para circular no local e outros acertos considerados praxe no dia a dia desse tipo de evento foram articulados de última hora. Documentos de conteúdo dos assuntos tratados foram apresentados aos países pouco antes do encontro, segundo diplomatas. Na véspera da chegada de Joe Biden, ninguém sabia direito o que esperar.

A cúpula não mudará a diretriz da política externa americana e não servirá para dar sinal de unidade regional. Dias antes, a Casa Branca se recusava a confirmar a lista de convidados.

Ao excluir Cuba, Venezuela e Nicarágua, Biden provocou ausências marcantes, como a do mexicano Andrés Manuel López Obrador. Não fossem as confirmações de última hora de Jair Bolsonaro (Brasil) e Alberto Fernández (Argentina), o encontro ficaria esvaziado.

Presidente da Argentina Alberto Fernandez (E) aperta a mão da vice-presidente dos EUA Kamala Harris, ladeada pelo presidente dos EUA Joe Biden, depois de falar durante uma sessão plenária da 9ª Cúpula das Américas em Los Angeles, Califórnia, 9 de junho de 2022. (Foto: PATRICK T. FALLON / AFP)
Foto: PATRICK T. FALLON / AFP Presidente da Argentina Alberto Fernandez (E) aperta a mão da vice-presidente dos EUA Kamala Harris, ladeada pelo presidente dos EUA Joe Biden, depois de falar durante uma sessão plenária da 9ª Cúpula das Américas em Los Angeles, Califórnia, 9 de junho de 2022.

A política externa americana está concentrada no Hemisfério Norte: a parceria europeia e com a Otan, a guerra na Ucrânia e a busca por uma estratégia na Ásia na disputa com a China. Em casa, Biden enfrenta inflação alta, queda nos índices de aprovação e a possibilidade de perder a maioria no Congresso na eleição legislativa de novembro.

Os EUA sediam a reunião pela primeira vez desde o lançamento do fórum, em 1994. Na época, 34 líderes se reuniram em Miami.

A exceção foi Cuba. De um lado, os EUA buscavam expandir comércio e investimentos, sob a euforia do recém-assinado Nafta. Do outro uma onda de redemocratização e abertura comercial dava impulso a uma reunião que lançaria a ideia da criação da área de livre-comércio das Américas (Alca).

"Era um período em que a OEA adotava medidas para combater ameaças à democracia", disse Mark Feierstein, da consultoria Albright Stonebridge Group, ex-assessor da Casa Branca.

PARCERIA

Para a cúpula deste ano, Biden anunciou o que chamou de "Parceria das Américas para Prosperidade Econômica". "Um novo acordo histórico para impulsionar nossa recuperação e o crescimento da economia regional", descreveu a Casa Branca. A proposta é parecida com a apresentada para a região Indo-Pacífico e não inclui uma expansão clara do fluxo de comércio e investimentos. A ideia é fortalecer cadeias de produção e incluir questões sociais e ambientais na pauta.

"Não há vontade política de ampliar o acesso ao mercado americano. Se Biden não puder prover isso, há pouco o que avançar em comércio, que é uma das duas prioridades para a região. A outra é imigração", disse Bremmer. "Os americanos falam em construir infraestrutura resiliente, sustentabilidade, são todas coisas legais, mas é o tipo de coisa que você anuncia quando não tem uma agenda."

GASTO INTELIGENTE

Questionado por jornalistas sobre o fato de os EUA não se comprometerem com investimentos na região, o conselheiro de Segurança Nacional, Jake Sullivan, defendeu a política do governo e disse que a Casa Branca pretende gastar dólares apenas para produzir "resultados tangíveis".

"Quando você soma tudo e observa o impacto prático que as ações dos EUA na cúpula terão, você verá que elas são mais impactantes na vida cotidiana e na subsistência dos povo da região do que os projetos extrativistas da China", disse.

O presidente da Argentina, Alberto Fernandez (E) aperta a mão do presidente dos EUA, Joe Biden, depois de falar durante uma sessão plenária da 9ª Cúpula das Américas em Los Angeles, Califórnia, 9 de junho de 2022.
O presidente da Argentina, Alberto Fernandez (E) aperta a mão do presidente dos EUA, Joe Biden, depois de falar durante uma sessão plenária da 9ª Cúpula das Américas em Los Angeles, Califórnia, 9 de junho de 2022.

Biden vê acordo sobre 'questões substantivas' após críticas de líderes

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, insistiu ontem que há unidade na Cúpula das Américas, depois que os líderes da Argentina e do Belize o criticaram abertamente por excluir países governados pela esquerda e considerados antidemocráticos pela Casa Branca. "Apesar de algumas divergências relacionadas à participação, em questões substantivas, o que ouvi foi quase unidade e uniformidade", disse Biden.

Biden disse que viu "uma concordância quase total" em questões como gerenciamento de migração e combate às mudanças climáticas, e pediu mais discussões sobre os detalhes antes do encerramento da cúpula nesta sexta-feira. O presidente americano se recusou a convidar os líderes esquerdistas de Cuba, Nicarágua e Venezuela, descrevendo-os como autocratas não bem-vindos em uma cúpula dedicada à democracia.

O presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, recusou-se a comparecer em protesto. Ele enviou seu chanceler, Marcelo Ebrard, que, ao chegar, classificou a exclusão como "erro estratégico" e defendeu "refundar a ordem interamericana".

O presidente da Argentina, Alberto Fernández, que foi persuadido a comparecer após um telefonema de Biden, criticou a decisão na frente do presidente dos EUA na cúpula em Los Angeles. "Ser o país anfitrião da cúpula não concede a capacidade de impor um direito de admissão aos países membros do continente", disse Fernández.

Mais tarde, Fernández apertou a mão de Biden antes que o presidente americano, que compareceu à cúpula ao lado da vice-presidente Kamala Harris, voltasse para falar e abordar as críticas.

Biden também foi criticado por Johnny Briceño, primeiro-ministro de um dos menores países da região, Belize, que disse ser "indesculpável" não convidar todos os países. Elogiando a exportação de médicos cubanos - uma prática que as autoridades americanas denunciam como tráfico - Briceño chamou o embargo e as sanções americanas à ilha de "crime contra a humanidade".

 

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