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Israel enfrenta profundas divisões sociais, 75 anos após sua criação
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Israel enfrenta profundas divisões sociais, 75 anos após sua criação

Estado judeu criado logo após o Holocausto e a II Guerra tem, sete décadas e meia depois, uma sociedade fragmentada, um governo que ameaça a democracia e as feridas dos muitos conflitos com a Palestina
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REFUGIADA palestina Ebthaj Dawla em sua casa na cidade de Gaza (Foto: MOHAMMED ABED / AFP)
Foto: MOHAMMED ABED / AFP REFUGIADA palestina Ebthaj Dawla em sua casa na cidade de Gaza

Em 75 anos de existência, completados neste domingo, 14, Israel passou por grandes transformações sociais ligadas à sua turbulenta história, e atualmente enfrenta divisões cada vez mais profundas. O kibutz Yiron, no norte, ilustra a evolução do país desde que foi criado, em 14 de maio de 1948, quando os ideais socialistas de alguns dos pais fundadores deram lugar a um maior liberalismo econômico e a uma sociedade mais multicultural.

Os kibutz, comunidades agrícolas baseadas no coletivismo, tiveram "um papel fundamental na construção do país", explica o sociólogo Yuval Achouch, pesquisador do Colégio Acadêmico de Galileia Ocidental, no norte de Acre (norte de Israel). Sua imagem permanece vinculada a de Israel no exterior, mas seus moradores representavam apenas 7,5% da população judaica do país. E hoje são menos de 2%, segundo Achouch.

Nesta foto de arquivo tirada em 14 de maio de 1948, o primeiro-ministro israelense David Ben-Gurion (em pé sob um enorme retrato de Theodor Herzl, o fundador do sionismo político, cercado pelos membros do Conselho Nacional Judaico, proclama o estabelecimento do estado de Israel, em Tel Aviv(Foto: INTERCONTINENTALE / AFP)
Foto: INTERCONTINENTALE / AFP Nesta foto de arquivo tirada em 14 de maio de 1948, o primeiro-ministro israelense David Ben-Gurion (em pé sob um enorme retrato de Theodor Herzl, o fundador do sionismo político, cercado pelos membros do Conselho Nacional Judaico, proclama o estabelecimento do estado de Israel, em Tel Aviv

Yiron foi criado em 1949 a poucos quilômetros da fronteira com o Líbano e sobre as ruínas de um vilarejo palestino destruído por forças judaicas na primeira guerra árabe-israelense (1948-1949). Com sua criação, as autoridades buscavam defender as fronteiras da jovem nação que saiu vitoriosa do conflito contra os exércitos de cinco países árabes.

Efrat Pieterse ainda se lembra com nostalgia "da vida coletiva com as outras crianças" em seu grupo. Ele nasceu em Yiron há 69 anos e explica que quem cuidava das crianças eram os educadores. "Éramos nove, juntos o tempo todo, como uma família", conta.

Hoje, Yiron está muito diferente do que conheceu. A antiga comunidade abriga uma empresa de agrotecnologia, as casas modestas foram substituídas por outras de classe média e as crianças moram lá com seus pais. A crise econômica da década de 1980 e a queda do comunismo na União Soviética ajudaram a minar o modelo cooperativo do kibutz. O surgimento de novos valores individualistas e familiares no início do século XXI também acabou transformando a maioria desses povos em liberais, explica Achouch.

Uma foto tirada em 13 de abril de 2023 mostra Simcha Shore, fundador e chefe da empresa de tecnologia agronômica AgroScout, conversando com um funcionário no escritório no kibutz israelense de Yiron,(Foto: MENAHEM KAHANA / AFP)
Foto: MENAHEM KAHANA / AFP Uma foto tirada em 13 de abril de 2023 mostra Simcha Shore, fundador e chefe da empresa de tecnologia agronômica AgroScout, conversando com um funcionário no escritório no kibutz israelense de Yiron,

Explosão demográfica

A população de Israel é uma das que crescem mais rápido no mundo, tendo aumentado 12 vezes desde 1948. O país tem hoje 9,7 milhões de habitantes, dos quais 7,1 milhões são judeus (73,5%) e 2 milhões de árabes (21%), segundo o Escritório Central de Estatísticas de Israel. O resto são imigrantes não judeus.

O rápido crescimento populacional de Israel pode ser atribuído em grande parte à emigração judaica de todas as regiões do mundo ao longo das décadas, embora números significativos tenham vindo da antiga União Soviética no início dos anos 1990.

A identidade nacional foi forjada em parte no serviço militar obrigatório (três anos para homens e um ano para mulheres), embora uma parte da população tenha sido dispensada de fazê-lo, como a minoria árabe e quase todos os judeus ultraortodoxos, que representam 12% da população.

Judeus ultraortodoxos rezam no túmulo do rabino Shimon Bar Yochai no Monte Meron, no norte de Israel, em 9 de maio de 2023(Foto: JALAA MAREY / AFP)
Foto: JALAA MAREY / AFP Judeus ultraortodoxos rezam no túmulo do rabino Shimon Bar Yochai no Monte Meron, no norte de Israel, em 9 de maio de 2023

Em um discurso de 2015, o então presidente Reuven Rivlin identificou quatro "tribos" para definir a sociedade israelense. Três delas eram judaicas - laicos, religiosos nacionalistas e ultraortodoxos - e uma árabe. Rivlin lamentou que as quatro não se misturassem nem se convertessem, lendo jornais diferentes e frequentando escolas diferentes.

Pontos de vista diferentes

Rivlin acrescentou que essas comunidades tinham "pontos de vista diferentes" sobre o que o Estado de Israel deveria ser e que "a ignorância mútua e a ausência de uma língua comum apenas aumentaram a tensão, o medo, a hostilidade e a competição" entre elas.

"A sociedade está muito fragmentada no nível étnico, mas também no nível das classes sociais", disse Sylvaine Bulle, socióloga do Centro Nacional Francês de Pesquisa Científica (CNRS), especialista em Israel.

Dentro das comunidades identificadas por Rivlin existem outras divisões, como os ashkenazi, originários da Europa, e os judeus sefarditas. Há também novos imigrantes e os "sabra" - os nascidos em Israel - e, do lado árabe, muçulmanos, cristãos ou drusos.

Por muitos anos, os ashkenazes (os judeus dos países da Europa Central e Oriental de onde vieram os fundadores do movimento sionista) "assumiram as rédeas políticas, judiciais e econômicas" do país.

Nas décadas de 1950 e 1960, judeus do Iraque, Iêmen e Magreb (chamados "mizrahi") também foram para Israel. Eles foram "amplamente discriminados pelo Estado", observa Bulle, referindo-se às estratégias do Partido Trabalhista, que dominou a política israelense até 1977, quando a direita venceu. Desde então, são os conservadores que conduzem o país.

"O que mudou em 75 anos é que a elite ashkenazi envelheceu, não é mais representativa do eleitorado e não é mais considerada legítima pelos mizrahi, que buscam ascender socialmente", explica Bulle. "Nos últimos anos, vimos uma guinada para a direita na opinião pública", acrescenta Achouch.

A identidade política das jovens gerações foi forjada, entre outras questões, pelos atentados suicidas da Segunda Intifada (a revolta palestina de 2000-2005 contra a ocupação israelense), pelo fracasso do processo de paz e pela "infiltração da direita religiosa há décadas no Ministério da Educação", destaca o pesquisador.

Desde janeiro, o país está profundamente dividido sobre o projeto de reforma judicial impulsionado pelo governo liderado por Benjamin Netanyahu, o mais direitista da história de Israel.

O Executivo defende que a reforma é necessária para equilibrar os poderes, diminuindo as prerrogativas do Judiciário que, por sua vez, serve como bastião do secularismo ante grupos ultraortodoxos que integram o governo e sustentam Netanyahu no poder.

Além disso, o primeiro-ministro tenta enfraquecer o Judiciário para se desvencilhar das acusações de corrupção. Enquanto isso, a oposição busca barrar a reforma, considerando a mudança legislativa como uma ameaça à democracia. O projeto desencadeou uma onda de protestos sem precedentes, tensionando ainda mais a sociedade israelense.

Manifestantes agitam uma faixa com o retrato do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu enquanto se reúnem para protestar contra o projeto de reforma judicial do governo israelense, em Tel Aviv, em 6 de maio de 2023.(Foto: JACK GUEZ / AFP)
Foto: JACK GUEZ / AFP Manifestantes agitam uma faixa com o retrato do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu enquanto se reúnem para protestar contra o projeto de reforma judicial do governo israelense, em Tel Aviv, em 6 de maio de 2023.

Nostalgia

Para Bulle, a crise atual reflete uma divisão social no país, mas, ao mesmo tempo, essa "mobilização popular" vai contra "a extrema fragmentação da sociedade israelense". As manifestações "mostram que, no seu conjunto, os israelenses continuam comprometidos com os valores democráticos, o sentido de justiça, ética e igualdade" e, nesse sentido, "o povo que hoje se manifesta expressa uma certa nostalgia das raízes socialistas de Israel".

A minoria árabe, porém, tem ficado de fora do debate que abala a sociedade, aponta. "Para eles, a democracia sempre foi deficiente", diz. Em sua opinião, algumas leis "enfraqueceram a noção de democracia e igualdade entre os cidadãos". A pesquisadora cita a lei de 2018 que define Israel como o "Estado-nação do povo judeu", que tornou o hebraico a única língua oficial do país, concedendo apenas ao árabe um status "especial".

Avner Ben-Zaken, historiador e presidente do Institute for Israeli Thought (IIT), um centro de pesquisa com sede em Tel Aviv, avalia que "a presença desses diferentes grupos não é um problema, mas a própria estrutura do Estado".

As eleições, afirma, são regidas por um sistema de representação proporcional que, segundo ele, se presta ao clientelismo e à competição entre diferentes grupos sociais que chegam a "se odiar". Ben-Zaken também critica o fato de não haver uma Constituição em Israel. "Não sabemos o que é esse Estado", alerta.

Para ele, é preciso "definir a identidade do país como israelense" e não apenas como judaica e democrática, no marco de uma Constituição, já que é "o ponto comum" que todos os grupos possuem.

75 anos após o êxodo, palestinos ainda sonham com retorno

Em sua modesta residência na bloqueada Faixa de Gaza, Amina al Dabai recorda o mundo tão diferente em que cresceu há mais de sete décadas, antes da criação de Israel. Nascida em 1934, Dabai era uma adolescente quando o Estado de Israel foi proclamado em 14 de maio de 1948.

Atualmente ela integra o grupo de 5,9 milhões de refugiados palestinos que vivem na Cisjordânia, Faixa de Gaza, Jordânia, Líbano e Síria, de acordo com os dados das Nações Unidas. São descendentes dos mais de 760 mil palestinos que fugiram ou foram expulsos de suas casas há 75 anos.

O evento é conhecido entre os palestinos como a "Nakba", a "catástrofe", na qual mais de 600 comunidades foram destruídas ou despejadas pelas forças judaicas, segundo a organização israelense Zochrot. A recordação da "Nakba", em 15 de maio, se transformou em uma plataforma para as reivindicações de um Estado palestino.

Nesta foto de arquivo divulgada em 15 de setembro de 1948, refugiados palestinos retornam à sua aldeia após sua rendição durante a guerra árabe-israelense de 1948 contra a proclamação do Estado de Israel(Foto: INTERCONTINENTALE / AFP)
Foto: INTERCONTINENTALE / AFP Nesta foto de arquivo divulgada em 15 de setembro de 1948, refugiados palestinos retornam à sua aldeia após sua rendição durante a guerra árabe-israelense de 1948 contra a proclamação do Estado de Israel

A data é um dia após o aniversário da proclamação do Estado de Israel, em 1948, que desencadeou uma invasão de cinco exércitos árabes que a jovem nação conseguiu aplacar. Antes do aniversário, a reportagem conversou com oito palestinos na faixa de 80 e 90 anos, que seguiram para o exílio durante 'Nakba' na Faixa de Gaza.

Soldados disfarçados

Dabai recorda o dia em que "soldados judeus disfarçados", chegaram a sua localidade natal em Lydda, atualmente conhecida como Lod, no centro de Israel. Como os soldados estavam com os rostos cobertos com "kufiyas", o lenço que se tornou um símbolo da luta palestina, os moradores pensaram que eram reforços enviados da Jordânia.

A população estava tão feliz que "correu para a fonte" no centro da localidade para comemorar. Mas ao perceber que eram soldados judeus, "fugiram para a mesquita e para suas casas". "Eles atacaram a mesquita e mataram todos que estavam dentro", explica. "Eu era jovem e vi com meus próprios olhos", acrescenta.

Deportação planejada, expulsão ou êxodo voluntário? Um massacre de centenas de civis e combatentes desarmados no qual as duas partes foram culpadas de atrocidades? Os eventos de 12 e 13 de julho de 1948, durante a captura de Lod pelas forças israelenses, ainda são objeto de debate e intensa polêmica. Uma coisa parece certa: quase da noite para o dia, a cidade foi esvaziada de seus 30 mil moradores árabes.

Depois da guerra, a Cisjordânia caiu sob o domínio da Jordânia e Gaza ficou sob controle do Egito. "Vivíamos de maneira cômoda", afirma Dabai, que lembra das crianças brincando no balanço, do mercado central e da água em uma grande fonte cercada por lojas. Ela mantém o ressentimento sobre o que perdeu: "Éramos um país frágil, sem armas poderosas".

Um dia após a chegada, os soldados israelenses retornaram com ordens claras: abandonem Lod ou morrerão, destaca a idosa. "Nós dissemos que não queríamos partir. Eles disseram que nos matariam. Assim, todos os pobres marcharam e nós estávamos no meio deles", explica.

A família fugiu a pé, caminhando durante vários dias até chegar à localidade cristã de Bir Zeit, perto de Ramallah, na Cisjordânia. Depois pretendiam seguir para o Egito. Mas o trajeto era muito caro e a família terminou optando por ficar em Gaza. Como muitos palestinos, eles pensavam que voltariam em breve.

Apenas depois que os Acordos de Oslo estabeleceram a Autoridade Palestina na década de 1990, Dabai conseguiu uma permissão para visitar sua antiga residência em Lod. "Coloquei a mão no muro da nossa casa e disse: 'Meu amor, a casa do meu avô, está destruída e as casas dos nossos vizinhos estão habitadas por judeus'", explica.

A mulher garante que não aceitaria nenhuma indenização pela perda de sua casa, mas diz acreditar que mesmo sem esperança de que ela retornará, "as gerações futuras libertarão o país e voltarão". "Ninguém filmava os massacres e o que estava acontecendo, como acontece hoje", afirma, com voz abalada.

Um começo pacífico

Umm Jaber Wishah nasceu em 1932 no vilarejo de Beit Affa, perto de Ashkelon, no que agora é o sul de Israel. Décadas depois, ela relata com dor a convivência pacífica inicial. Quando os judeus chegaram ao vilarejo, "não nos prejudicaram e nem nós os prejudicamos", disse em sua casa no campo de refugiados de Bureikh, no centro da Faixa de Gaza. "Os árabes trabalhavam para eles sem problemas, com segurança", acrescenta.

Mas a convivência não durou muito tempo. A mulher ainda lembra com emoção do dia em 1948 em que a paz foi quebrada. "Eu estava fazendo pão e eles cercaram a cidade", explica, tentando conter as lágrimas. Os soldados israelenses "começaram a cercar o vilarejo a partir do lado leste e nos protegemos dos tiros até o dia seguinte", conta. "Os homens foram amarrados e levados como prisioneiros, as crianças gritavam", conta.

Beit Affa foi capturada pelas forças judaicas em julho de 1948 por vários dias. Vários habitantes fugiram antes da conquista definitiva da localidade nos meses seguintes. Como em vários campos de refugiados na região, Bureikh mudou as barracas temporárias por estruturas permanentes de tijolo e madeira. Mas muitos ainda vivem na pobreza.

Wishah afirma que sua casa em Bureikh "não significa nada". "Mesmo se me dessem toda a Faixa de Gaza em troca da minha casa, eu não aceitaria. Meu vilarejo é Beit Affa", diz.

Chaves oxidadas

Esta foto tirada em 22 de fevereiro de 2023 mostra a refugiada palestina Ebthaj Dawla mostrando as chaves da casa de sua família, em sua casa na cidade de Gaza(Foto: MOHAMMED ABED / AFP)
Foto: MOHAMMED ABED / AFP Esta foto tirada em 22 de fevereiro de 2023 mostra a refugiada palestina Ebthaj Dawla mostrando as chaves da casa de sua família, em sua casa na cidade de Gaza

Ebthaj Dawla, da cidade costeira de Jaffa, também recorda que morava ao lado dos judeus antes da criação de Israel. Um de seus parentes políticos era judeu e a minoria judaica da cidade "falava árabe", lembra a idosa de 88 anos.

Porém, um dia, quando retornava da escola, Dola encontrou a família preparando as malas para a fuga. Ainda com o uniforme escolar, ela embarcou em um navio para o Egito. "Conheço Jaffa centímetro a centímetro", conta, enquanto exibe quatro chaves oxidadas ao lado de sua cama no campo de refugiados de Al Shati, em Gaza.

Muitos deslocados acreditavam que seria algo temporário. Eles trancaram as portas de suas casas e levaram as grandes chaves de metal. As chaves viraram um símbolo de sua situação e da demanda de retorno. Em muitas casas, as chaves são guardadas em uma caixa trancada embaixo da cama ou são recordadas com desenhos e bordados.

Esta foto tirada em 22 de fevereiro de 2023 mostra a refugiada palestina Ebthaj Dawla em sua casa na cidade de Gaza(Foto: MOHAMMED ABED / AFP)
Foto: MOHAMMED ABED / AFP Esta foto tirada em 22 de fevereiro de 2023 mostra a refugiada palestina Ebthaj Dawla em sua casa na cidade de Gaza

Israel afirma que os palestinos partiram voluntariamente durante os combates e nega as acusações de crimes de guerra contra seus soldados. Também rejeita o direito de retorno dos palestinos, obstáculo frequente para as negociações de paz, e alega que seria como entregar de paz demograficamente a natureza judaica do Estado.

Os israelenses rejeitam com veemência o reconhecimento da "Nakba", de acordo com a organização Zochrot, que trabalha para aumentar a conscientização da população sobre este período histórico. Os israelenses "são ensinados em uma narrativa falsa e muito distorcida, mas convincente, de 'uma terra sem povo para um povo sem terra'", afirma a organização.

"A injustiça não perdura"

Nesta foto tirada em 3 de abril de 2023, o refugiado palestino Hassan al-Kilani apresenta uma fotografia sua quando jovem durante uma entrevista em sua casa, na cidade de Gaza(Foto: MOHAMMED ABED / AFP)
Foto: MOHAMMED ABED / AFP Nesta foto tirada em 3 de abril de 2023, o refugiado palestino Hassan al-Kilani apresenta uma fotografia sua quando jovem durante uma entrevista em sua casa, na cidade de Gaza

Hassan al Kilani, nascido em 1934 na localidade de Burayr, ao norte da Faixa de Gaza, disse que somente aceitaria uma indenização se houvesse um acordo político. "Nós, árabes e palestinos, não podemos igualar a força de Israel, sejamos realistas", afirma. "Resistimos, mas nossa resistência é limitada quando comparada ao nosso inimigo", insiste.

Ex-trabalhador do setor de construção, Kilani traçou um mapa de Burayr, anotando o nome de cada família, parcela por parcela. O mapa está pendurado na parede da sala, uma recordação constante de onde cresceu. "Todos os que ficaram no país foram assassinados (...) inclusive o gado, os camelos e as vacas", afirma.

Em outra parede da sala, ele pendurou uma chave, o símbolo do sonhado retorno. "A injustiça não perdura", afirma, antes de expressar o desejo de "vitória". "Mas estou velho. Quantos anos me restam de vida?", pergunta.

 

Os 75 anos de Israel em 10 datas cruciais

Dez datas importantes na história do Estado de Israel, por ocasião do 75º aniversário da proclamação de sua independência em 1948.

1948: Independência

A ONU vota em 29 de novembro de 1947, em sessão presidida pelo brasileiro Osvaldo Aranha, a divisão da Palestina em dois Estados: um judeu e outro árabe. O plano, rejeitado pelos países árabes, provoca uma explosão de violência entre os grupos na região.

Em 14 de maio de 1948, David Ben Gurion proclama a independência do Estado de Israel, depois de 28 anos de mandato britânico.

Um dia depois, cinco países árabes entram em guerra contra o novo Estado. Esta primeira guerra árabe-israelense terminou em 1949 e permitiu a Israel expandir o território designado pela ONU. Mais de 760 mil palestinos são forçados a fugir, mas quase 160 mil permanecem no novo Estado.

A Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental, passa a fazer parte da Jordânia e a Faixa de Gaza do Egito. Os sobreviventes do Holocausto migram em massa para Israel.

1967: Guerra dos Seis Dias

Em 1967, Israel trava a terceira guerra árabe-israelense contra Egito, Síria e Jordânia. Em seis dias o país conquista Jerusalém Oriental, Cisjordânia, Gaza, parte das Colinas de Golã sírias e da península egípcia do Sinai. A colonização começa nestes territórios.

1973: Guerra do Yom Kippur

Seis anos depois, durante a festa do Yom Kipur, feriado e dia mais sagrado do judaísmo, os estados árabes atacam Israel, que repele a ofensiva, mas sofre perdas significativas.

1978: Paz com o Egito

Em 17 de setembro de 1978, o primeiro-ministro israelense Menahem Begin e o presidente egípcio Anwar el Sadat assinam em Washington os acordos de Camp David, que precedem a assinatura, em 26 de março de 1979, do primeiro tratado de paz entre um país árabe e Israel.

O Egito recupera o Sinai, devolução que se torna efetiva em 1982. O tratado é denunciado pelos países árabes e Sadat, muito criticado, é assassinado em 1981 por islamistas.

1982: Invasão do Líbano

Os israelenses invadem o Líbano e cercam Beirute em junho de 1982. A Organização para a Libertação da Palestina (OLP) de Yasser Arafat deve deixar o país.

As tropas israelenses ocuparam o sul do Líbano até o ano 2000. Após o sequestro de soldados israelenses pelo movimento Hezbollah em 2006, Israel inicia outra ofensiva devastadora no Líbano.

1993: Acordos de Oslo

Em dezembro de 1987, os palestinos iniciam o primeiro levante contra a ocupação israelense, a Intifada. Em 1993, Israel e OLP assinam em Washington os Acordos de Oslo sobre a autonomia palestina, encontro marcado pelo aperto de mãos entre Arafat e o primeiro-ministro israelense, Yitzhak Rabin.

Arafat retorna triunfalmente em 1994 aos Territórios Palestinos ocupados, após 27 anos no exílio, e estabelece a Autoridade Palestina.

1995: Assassinato de Rabin

Yitzhak Rabin é assassinado em Tel Aviv por um extremista judeu contrário ao processo de paz.

2000: Segunda Intifada

A visita do então líder da oposição de direita israelense, Ariel Sharon, à Esplanada das Mesquitas de Jerusalém em setembro de 2000 provoca a segunda Intifada, que prossegue até 2005.

2005: Retirada da Faixa de Gaza

Israel se retira em 2005 da Faixa de Gaza, contra a qual impões um bloqueio em 2007, quando o movimento islamita Hamas toma o controle do território. Israel e Hamas travaram desde então quatro guerras em Gaza: em 2008, 2012, 2014 e 2021.

2009: Retorno de Netanyahu

No fim de março de 2009, o líder do Likud (direita), Benjamin Netanyahu, retorna ao o posto de primeiro-ministro, depois de ter ocupado o cargo entre 1996 e 1999. Em 2019 ele é indiciado por vários casos por suposta corrupção.

Depois de ser derrotado em eleições em 2021, ele consegue retornar ao poder no fim de 2022, à frente de um do governo mais à direita da história de Israel. Seu projeto de reforma do Judiciário provoca, a partir de janeiro de 2023, uma mobilização popular sem precedentes contra o texto que, segundo os críticos, ameaça a democracia israelense.

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