Duas semanas depois do ataque do Hamas a Israel e da guerra que se seguiu, o conflito não tem se refletido apenas no Oriente Médio, onde as baixas já somam mais de 4 mil vítimas, entre militares e civis.
No Brasil, por exemplo, o embate vem acirrando uma polarização já armada desde 2022, na esteira do processo eleitoral do qual Luiz Inácio Lula da Silva (PT) terminou vitorioso.
Nesse cenário politicamente estilhaçado, o confronto declarado entre o estado judeu e as forças terroristas do Hamas, com a possibilidade de invasão da Faixa de Gaza no horizonte, incendiou as disputas entre governistas e aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), cuja proximidade com o premiê Benjamin Netanyahu era um dos seus trunfos para estreitar laços com o segmento evangélico no país às vésperas da eleição.
Da demissão do presidente da EBC por compartilhar mensagem ofensiva a apoiadores de Israel até trocas de xingamentos entre parlamentares nas sessões do Congresso Nacional e nas redes sociais, o ambiente esgarçado ganhou octanagem com a partidarização da queda de braço envolvendo israelenses e palestinos.
De acordo com pesquisadores entrevistados pelo O POVO, a tendência é de que uma escalada na guerra também alavanque antagonismos locais, no rescaldo de conflagrações já postas, não somente no Brasil, mas no restante do mundo.
Pesquisadora de Relações Internacionais no Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUC-SP), Carolina Condé avalia que, por todos os fatores considerados, "o atual contexto político brasileiro dificulta muito o debate".
"Assim como nosso atual cenário está polarizado, essa questão também foi e está polarizada. É uma combinação de coisas, não apenas pelo contexto, mas uma somatória de elementos ao longo da história que foi piorada pelo contexto de uma superpolaridade", afirma Condé.
Segundo ela, num quadro volátil e de temperatura alta, qualquer discussão mais nuançada entre as partes logo transborda para ataques de parte a parte, arrastados pela questão de fundo: a derrota de Bolsonaro em 2022, mas a preservação de parte de seu capital político com uma oposição mobilizada em torno de sua agenda conservadora, da qual o endosso automático a Israel é item obrigatório.
Questionada se o campo de esquerda não tem, por sua vez, apresentado dificuldade para condenar de pronto ações terroristas do Hamas como as vistas no sábado da penúltima semana, Condé pondera: "Não acho que exista um problema em condenar de pronto, pelo contrário".
"O que entendo que acontece é que", considera a estudiosa, "diferentemente de sair apontando simplesmente o dedo e dizendo que o Hamas é terrorista - mesmo porque o próprio governo brasileiro não reconhece o Hamas como um grupo terrorista, como a ONU também não reconhece -, acho que existe um esforço da esquerda brasileira de apontar os porquês de ataques do Hamas".
Condé ressalta, contudo, que discutir as razões por trás dos ataques não significa justificá-los, mas, academicamente, compreender as variáveis implicadas numa guerra tão longeva quanto essa, cujas motivações não se originaram do dia para a noite, com as investidas da facção extremista contra judeus e estrangeiros na manhã do dia 7 de outubro.
Desde o início de toda essa beligerância, o governo Lula tenta se equilibrar, manejando uma retórica cautelosa que condena o terrorismo no Oriente Médio, mas sem nomear explicitamente o Hamas como organização terrorista. A intenção do presidente era, além de não se indispor com lideranças internacionais, elevar o capital do Itamaraty para mediar o entrevero entre Israel e Hamas no Conselho de Segurança da ONU.