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Hilário Ferreira: "Refletindo sobre apropriação cultural"
Opinião

Hilário Ferreira: "Refletindo sobre apropriação cultural"

Os efeitos desta super-valorização da cultura europeia é a existência de uma hierarquia cultural
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Já algum tempo acompanho esse debate sobre apropriação cultural e, lendo os artigos produzidos (a favor ou contra), percebi que a maioria não consegue articular este debate com questões mais amplas: racismo e capitalismo.

 

É preciso aceitar que há apropriação cultural. E que esta apropriação não é resultado de uma troca cultural. E por quê? A cultura predominante em nosso país é a ocidental que nos obriga a digerir a cultura europeia. Isso é bem problemático numa sociedade marcada pela diversidade étnico-cultural. Os efeitos desta supervalorização da cultura europeia é a existência de uma hierarquia cultural. E é aqui que racismo e capitalismo se articulam na apropriação da cultura do outro.


Ninguém no Brasil é proibido de usar um turbante, uma guia ou de pertencer a alguma religião de matriz africana. Porém, há um olhar diferenciado quando um negro ou uma negra usam um turbante, uma guia que os identificam com o candomblé em espaço público. Diferente de brancos. O primeiro é logo tachado de macumbeiro e o segundo, na moda, estilo e tendência étnica.


O cerne da questão se dá quando a cultura africana e afro-brasileira é apropriada por empresas e os protagonistas são excluídos do processo. Outro problema da assimilação cultural é seu retorno. Esta retorna na forma de mercadoria esvaziada de sentido. A filósofa e feminista negra Djamila Ribeiro faz a provocação: “A etnia Maasai quer ser reparada pelo mundo da moda por apropriação, porque lucraram com sua cultura sem que eles recebessem por isso.” A relação entre capitalismo e racismo se manifesta desta forma.


O debate sobre apropriação cultural propõe refletir sobre o uso da cultura africana e afro-brasileira por empresas sem a presença e um retorno aos protagonistas. Para os que fazem este debate de forma ampla, há uma compreensão de que não é justo atingir pessoas. Estas não possuem um conhecimento sobre tal problemática. Tem que atacar as empresas que usam e abusam da cultura destes povos e a transformam em simples mercadoria.


Chamo atenção (finalizando) para o fato de alguns artigos que, sem entender ou por pura desonestidade intelectual, procurarem, ao combater os argumentos daqueles que escrevem sobre a apropriação cultural, desqualificar toda uma produção de conhecimento forjada a partir de uma longa experiência no combate ao racismo. Penso que todo debate é válido, porém, sejamos éticos.

 

Hilário Ferreira

hilario.ferreira@fate.edu.br
Professor e pesquisador da história e cultura negra cearense

 

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