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Sânzio de Azevendo: "Naturalismo em Machado de Assis"
Opinião

Sânzio de Azevendo: "Naturalismo em Machado de Assis"

Ao leitor deste artigo, aconselho a leitura desse conto, cujo final é seu ponto mais alto. E inesperado
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Sabemos que Machado de Assis se iniciou literariamente no Romantismo e chegou a ser a maior figura do Realismo no Brasil. Sabe-se que os romances Ressurreição, A Mão e a Luva, Helena e Iaiá Garcia são românticos, e realistas, Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba e Dom Casmurro. O que não se diz é que ele pagou seu tributo ao Naturalismo, uma exacerbação do Realismo, que muitas vezes focalizava o patológico, enquanto este ficava no biológico.

 

“A Causa Secreta”, conto das Várias Histórias (1896), tem como personagem central Fortunato, que é um tipo no mínimo esquisito.


Garcia, estudante de Medicina, viu-o num teatro: “A peça era um dramalhão, cosido a facadas, ouriçado de imprecações e remorsos; mas Fortunato ouviu-a com singular interesse.” Veio uma farsa e ele saiu. Garcia também, e viu-o dando bengaladas nos cães que dormiam.


Reencontrou-o quando um homem foi esfaqueado na rua. Fortunato, que não o conhecia, fez questão de ajudar nos curativos, “olhando friamente para o ferido, que gemia muito”. Garcia, atônito, “viu-o sentar-se tranquilamente, estirar as pernas, meter as mãos nas algibeiras das calças e fitar os olhos no ferido. Os olhos eram claros, cor de chumbo, moviam-se devagar, e tinham a expressão dura, seca e fria”.


Já formado, encontrou-o algumas vezes e Fortunato, dizendo que se havia casado, convidou-o: “Vá jantar conosco domingo.” Garcia foi e simpatizou com Maria Luísa, a esposa.


Funda o médico uma casa de saúde e, lembrando o acidente citado, convida o amigo para ajudá-lo como enfermeiro. Extremamente dedicado ao trabalho, “Fortunato estudava, acompanhava as operações, e nenhum outro curava os cáusticos. Tenho muita fé nos cáusticos, dizia ele.”


Atendendo a um pedido da própria esposa de Fortunato, Garcia conseguiu que ele parasse de “rasgar e envenenar cães e gatos” em casa. Mas um dia, encontrando a esposa do amigo aflita, flagra Fortunato a torturar um rato, cortando-lhe os membros e queimando-o numa vela. Nem raiva nem ódio; tão somente um vasto prazer, quieto e profundo”. Ao ver o médico, mostra-se enraivecido, dizendo que o rato estragara uns papéis dele, e demonstra uma cólera que pareceu fingida. “Castiga sem raiva”, pensou Garcia.


Ao leitor deste artigo, aconselho a leitura desse conto, cujo final é seu ponto mais alto. E inesperado. Por isso, não o conto, para não estragar a leitura de quem encontrar esse conto notável.

 

Sânzio de Azevedo

sanziodeazevedo@ gmail.com

Doutor em Letras pela UFRJ; membro da Academia Cearense de Letras

 

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