O que representou e o que deveria representar a abolição da escravidão no Ceará? Respondendo a esses questionamentos, falar inicialmente sobre o que representou a abolição da escravatura no Ceará tornará mais transparente e inteligível o presente. Na verdade, se olharmos para a história do Ceará a partir do ponto de vista da população negra, chegaremos à conclusão de que não houve abolição no dia 25 de março de 1884.
E o requerimento solicitado em 19 de agosto de 1886 pelo então deputado da província do Ceará Pedro Alves de Oliveira e Castro, exigindo informações de quantos escravos existia no município de Milagres, é bem significativo. Esta solicitação é feita em razão de este município, situado na região do Cariri, ter continuado com seus escravos até o ano de 1886. Se este e outro município continuaram com a escravidão, então não podemos dizer que houve abolição da escravatura no Ceará em 1884.
De fato, ao que tudo indica, a abolição representou um jogo de interesses das classes dirigentes. Nas regiões em que o uso do trabalho escravo ainda era necessário e senhores de escravos detinham um forte poder político, ele continuou. Em outros, como em Fortaleza, aonde a modernidade chegara trazendo as ideias liberais, a ideologia do trabalho escravo foi lentamente substituída pela do assalariado. De um ponto de vista muito cruel, a vida da maioria dos negros quase não se alterou, pois de escravos passaram a agregados executando as mesmas atividades que faziam antes no antigo regime. Outros foram viver na pobreza e na periferia, já que abolir a escravidão não significou abolir o preconceito.
Como deveria ter sido a abolição da escravidão no Ceará?
Os negros libertos e livres tiveram sua participação nos eventos que levaram o 25 de março de 1884. O que devia ter acontecido seria a criação de políticas públicas no novo regime de integração dessa população na sociedade com direitos ao trabalho, à moradia e à educação. Talvez a situação dos descendentes no presente estivesse bem diferente. No mínimo, deveria ter sido assim a abolição.
Hilário Ferreira
hilario.ferreira@fate.edu.brProfessor e pesquisador da história e cultura negra cearense