O exemplo acima parece, antes de se ver a história da palavra, um paradoxo. Examinado o caso, chega-se a uma conclusão lógica. Também em inglês temos cold, para frio, que não vem do latim callidus (= quente)! A raiz é indoeuropeia: gel (pronunciado ghel). Daí, o latim glacies e também gelum. Deu glace em francês e gelo em português. O alemão Kalt tem a mesma raiz de cold.
Voltando ao título destas linhas, damos aqui um dado que apenas necessita de uma explicação simples: as palavras francesas que derivam do latim e terminavam em -or, como calor, color, cor, dolor, flor, doctor, senior, valor etc, na língua de Voltaire terminam em -eur: chaleur couleur, coeur, douleur, fleur, docteur, segneur, valeur... Mas, então por que amour e troubadour, e não ameur e troubateur? Em latim, são amor e trovator. Entre o latim e o francês estava o occitano, onde estas palavras, apesar de se grafarem amor e trobador, pronunciam-se amur e trubadur, como, de resto, as demais vindas do latim com a terminação -or.
Dizem os occitanos que estas duas palavras são mágicas: resumem o prestígio de que gozou na Idade Média a literatura trovadoresca em língua occitana, a lauda do amor cortês que serviu de matriz a muitas literaturas ocidentais. Não somente trovadores e jograis, mas também reis de países de línguas diferentes escreveram em occitano e principalmente construíram poemas à maneira occitana (provençal, diziam). Na Divina Comédia aparecem versos em occitano, atribuídos a Arnautz Daniel, segundo Dante, il meglio fabbro a compor em romance (língua românica). Então, amor e trovador, palavras prestigiosas em qualquer língua têm, em francês, matriz trovadoresca... A história cobrando o seu preço: toda a região da Occitânia (sul da França) só foi incorporada ao império francês após a trama dos reis da dinastia dos capetos e do papa Inocêncio III, para o aniquilamento dos cátaros de língua occitana.
Luciano Maia
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Membro da Academia Cearense de Letras