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Rosemberg Cariry: "A Terceira Era do Espírito Santo"
Opinião

Rosemberg Cariry: "A Terceira Era do Espírito Santo"

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Joaquim de Fiori, frade da Calábria do século XIII, investigou ligações de sentido entre o Antigo e o Novo Testamento, sob a perspectiva do mistério da Santíssima Trindade. Com base nesses estudos, elabora a noção de que o mundo poderia ser dividido em três Eras: 1) a do Pai; 2) a do Filho; 3) a do Espírito Santo. Essa Terceira Era seria marcada pela espiritualidade, pela justiça, pela igualdade e pela solidariedade. Essa ideia começou a ser difundida no meio católico da época e chegou a Portugal no século XIV, sendo cultuada pela rainha e santa Isabel, que instituiu uma festa do Divino Espírito Santo, como culto popular em Portugal continental, insular e suas colônias, até os séculos XV e XVI.

 

É nesse caldo étnico e cultural que a crença no Divino Espírito Santo desembarca no Brasil, junto com as caravelas. Para os franciscanos espiritualistas e alguns jesuítas, o Brasil é visto como o Paraíso propício ao florescimento da Terceira Era. Assim, em cada localidade brasileira, com diferentes arranjos raciais, culturais e econômicos, surgirá uma nova configuração do culto e dos festejos do Divino Espírito Santo.


Um povo não vive sem utopias. Quanto maior o sonho, maior é o homem (falamos aqui em um sonho vital e transformador – não no sentido da patologia clínica da megalomania e do delírio). A crença na Terceira Era do Espírito Santo é experimentada por camadas pobres da população na construção de comunidades igualitárias e espiritualistas, muitas vezes violentamente destruídas pelo exército e pela polícia.


A branca pombinha do Espírito Santo se fez presença em muitos dos locais onde o povo, pobre e deserdado, tentou organizar uma sociedade mais justa e solidária, sob o signo da espiritualidade e do bem comum. Experiências que, quase sempre, foram destruídas pelos canhões. Cito aqui três exemplos marcantes que aconteceram no fim no século XIX e em meados do século XX: Canudos, Juazeiro e Caldeirão. Só Juazeiro sobreviveu.


Em Canudos, a bandeira vermelha da comunidade tinha pintada, no centro, a branca pomba do Divino. No Caldeirão da Santa Cruz do Deserto, a comunidade cultuava o Divino Espírito Santo e, de forma intuitiva, praticava a máxima socialista: “De cada um conforme a sua capacidade e a cada um conforme a sua necessidade”. No chão sagrado de Juazeiro do Norte, ainda hoje, o altar de cada casa do povo romeiro (cujo quintal é sempre uma oficina), guarda, ao lado da candeia acesa, sempre uma imagem do Espírito Santo – geralmente representado por uma escultura de madeira tosca, pintada de branco e trazendo no peito, externado, um vibrante e vermelho coração.


Na maioria das festas do Divino, a esperança na Terceira Era do Espírito Santo é representada por um menino que é coroado rei e, com seu cetro, aponta os caminhos da liberdade e da vida; simbolicamente distribui o pão e torna fartos aqueles que têm fome de justiça e sede de amor. Essa criança representa também a renovação cósmica do mundo.


Para o povo, na dimensão mais profunda do seu culto, o Império do Divino Espírito Santo é a apoteose da história, a epifania da humanidade, ao contrário dos que apregoam que a culminância da história seria o capitalismo com suas guerras, egoísmos e atrocidades, com seus signos da morte e do tenebroso

reino do mercado. Porém, no triste Brasil contemporâneo, as elites apodrecidas matam essa criança (pobre), essa fé e essa esperança. Transformaram o paraíso sonhado no inferno real.

 

Rosemberg Cariry

ar.moura@uol.com.br

Cineasta e escritor

 

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