O livro e a peça chegaram para mim na mesma semana. O livro é Walter Benjamin, uma biografia, do crítico alemão Bernd Witte, publicado na Europa em 1985 e só agora lançado no Brasil. A peça é Asja Lacis já não me escreve, em cartaz desde sábado passado no Teatro do Centro Cultural Dragão do Mar. Benjamin, filósofo e crítico, morreu na fronteira entre Portugal e Espanha enquanto fugia do cerco dos nazistas à França, durante a Segunda Guerra Mundial. Deixou uma obra que dialoga com a História, a Filosofia, a Literatura.
Asja Lacis foi uma militante bolchevique, atriz, diretora de teatro, mãe de duas filhas. Criou o Outubro Teatral, projeto de educação artística, ética e política que reunia crianças órfãs após o final da Primeira Guerra Mundial. Mais tarde, pôs trabalhadores no palco e os dirigiu. Foi presa pelo regime stalinista e por dez anos viveu em campos de trabalhos forçados. Bem antes disso, tornou-se amante de Benjamin.
Mesmo que a arte não sirva para nada, é inegável sua serventia ao misturar-se à vida e à História para nos lançar nos braços de personagens inesquecíveis, sejam elas reais ou não. Asja Lacis é uma dessas criaturas e foi isso que me levou à peça montada pelo grupo Terceiro Corpo. A proposta do Terceiro Corpo — de trabalhar o solo-coletivo no qual os atores em cena encarnam todos os personagens — é uma solução que parece ideal para a multiplicidade que compõe a vida — o casal Benjamin-Lacia em particular. Ignorar fronteiras põe a plateia no jogo da trama.
O formato, as escolhas ou ainda a economia cenográfica de Asja Lacia já não me escreve tornam fluidos os personagens e isso acontece na mesma proporção que o corpo dos atores ganha espaço em cada uma das cenas que narra a trajetória de Lacia, numa sequência contínua de mudança entre um ator e outro. O que fraqueja, no entanto, é o texto.
Componente crucial do espetáculo, o texto, às vezes, parece distante do movimento dos personagens interpretados pelo conjunto de atores. Essa fragilidade reduz a força de Asja Lacis como ser coletivo construído em cena. Na luta entre o corpo e o texto, vale a pena a experiência de ver o encontro entre Benjamin e Lacis.
Regina Ribeiro
reginah_ribeiro@yahoo.com.br
Jornalista do O POVO