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Maíra Maia de Moura: "Suicídio - quando o sonho acaba"
Opinião

Maíra Maia de Moura: "Suicídio - quando o sonho acaba"

Quem morre não é um número estatístico: é um amigo, um irmão, é o amado. Se não seu ou meu, é um querido de alguém
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O escritor e filósofo Albert Camus afirma: “Existe apenas um único problema filosófico realmente sério: o suicídio”. Da mesma forma, e com a mesma intensidade, trata-se também de um problema teológico, psíquico, social, de saúde. Qual o sentido da vida? Muitos fazem essa pergunta quando se levantam de manhã, tomam banho, enfrentam o trânsito, trabalham em ofícios (muitas vezes alienantes) e voltam para o lar, nem sempre doce. Há quem consiga tirar desse cotidiano insípido, quase sempre desprovido de sentido, a energia necessária à vida. Pode assim construir a sua existência interna, num pacto com a vida e a sua história. E há outros que não resistem.

 

Temos que lidar com notícias, episódios, casos e estatísticas trágicas daqueles que, sem suportar o peso da vida, recorrem ao suicídio, que atinge várias faixas de idade e cada vez mais os jovens. Os motivos são os mais variados. Envolvem depressão e outras doenças psíquicas, estruturas familiares, dúvidas identitárias, desilusões amorosas, dificuldades profissionais e financeiras etc. O motivo, amplificado na mente do ser angustiado, ganha a proporção de uma tragédia cósmica, sem vislumbre de horizontes e termina com a decisão de morte.


Atuar na área da Psicologia exige do profissional uma disposição e sensibilidade para lidar com os mais profundos conflitos, dramas e desafios postos aos indivíduos no mundo contemporâneo. Numa sociedade de desigualdade e competitividade, os seres humanos são pressionados e se veem reduzidos a máquinas de produção e de consumo. São poucos os espaços para a liberdade do ser, o sonho, o devir. Sobram espaços para a angústia, para violência contra os outros e contra si mesmo.


O tempo presente é de desconstrução e crescente insegurança, dizem os sociólogos. Na condição de indivíduo que se sente largado à própria sorte, o ser humano encontra-se dentro de um momento de grande crise de valores, vazio existencial e dúvida quanto ao futuro.


Como profissionais da Psicologia, nós não lidamos com estatísticas, mas com seres humanos reais, frágeis, angustiados e confusos, que gritam e buscam um sentido para a vida. Muitas vezes, a palavra e a escuta salvam; mas nem sempre é possível traçar um mapa de retorno. As mãos escorregadias dessas pessoas, como náufragos, escapam das nossas mãos e terminam por tomar parte nas cifras dos suicidas. Contudo, quem morre não é um número estatístico: é um amigo, um irmão, é o amado. Se não seu ou meu, é um querido de alguém – um ser de história única e irrepetível. A vida interrompida, num ato brusco, cobra da alma de quem é próximo a sua pesada herança de dor. Uma dor pessoal e intransferível, seguida de luto de longa duração e de difícil superação.


Maíra Maia de Moura

mairamaiamoura@hotmail.com
Professora de Psicologia da Unifor; doutoranda em Educação (LHEC/UFC)

 

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