Passados mais de cinco séculos, em seu romance “Os demônios”, Dostoiévski descreve o suicídio de Kiríllov. Este personagem não teme os suplícios do inferno, justamente porque o motivo do seu suicídio é a inexistência de Deus. Se Deus não existe, pensa Kiríllov, todo o arbítrio recai sobre si e não há proclamação mais plena da liberdade individual que a decisão da própria morte.
Logo, em Dante o suicídio decorre da fraqueza do indivíduo expressa na desobediência à moral divina, enquanto em Kiríllov este é a demonstração da força dos indivíduos que aceitam a inexistência de leis externas à vontade. Entre Kiríllov e Dante, nasce o século XXI. Se já não é crível apelar para um sistema moral universal externo aos indivíduos, capaz de coibir atos tidos como indesejados, tampouco relegar à esfera individual a lida com a morte seria uma saída. Há um impasse.
Neste cenário, campanhas como o Setembro Amarelo desempenham papel ímpar. Criada em 2014, esta iniciativa realiza, no presente mês, atividades destinadas à prevenção do suicídio, por meio da distribuição de informações sobre a identificação e o manejo de situações de ameaça à própria vida. Trata-se da dimensão preventiva inerente ao campo da saúde pública. Este é um de seus méritos. Porém não é o único.
À sua função de conscientização soma-se outra, de igual importância: a apresentação do suicídio como uma questão pública, por meio, por exemplo, das caminhadas coletivas e da identificação, por meio da cor amarela, de monumentos públicos, ambas realizadas em diversas cidades. O impasse que vivemos não diz respeito apenas aos suicidas, mas também ao suicídio, que é, essencialmente, uma questão coletiva.
É salutar, portanto, a criação de espaços em que os cidadãos participem ativamente da reflexão sobre o significado social do suicídio, tarefa pertencente ao campo da política. Responder qual a imagem da morte que desejamos para nosso tempo não é tarefa supérflua. O Setembro Amarelo assume este papel ao endereçar ao remetente devido, “nós”, a questão incessante: o que fazer com o suicídio?
O impasse que vivemos não diz respeito apenas aos suicidas, mas também ao suicídio, que é, essencialmente, uma questão coletiva
Yuri de Nóbrega Sales
yuri.sales@fametro.com.br
Mestre em Psicologia pela Unifor e professor do curso de Psicologia da Fametro