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Sânzio de Azevedo: "A singularidade de Raul de Leoni"
Opinião

Sânzio de Azevedo: "A singularidade de Raul de Leoni"

Houve quem o considerasse parnasiano, mas o gosto pelo soneto se encontra também em Cruz e Sousa
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À memória de Pedro Lyra.

Poeta cujo livro Luz Mediterrânea (1922) foi celebrado por renovadores e conservadores, Raul de Leoni (1895-1926) merece ter sua poesia incluída no chamado Pré-Modernismo, que substituiu o Sincretismo criado por Tasso da Silveira e bem mais feliz.


Houve quem o considerasse parnasiano, mas o gosto pelo soneto se encontra também em Cruz e Sousa. E o que o aproxima de Olavo Bilac é o tom crepuscular que os versos deste último assumiram em Tarde (1919). Quem leu o livro póstumo de Bilac vai ver que o tom penumbrista de “O Vale” (“Sou como um vale, numa tarde fria”) tem semelhança com “A Hora Cinzenta”, de Leoni: “Desce um longo poente de elegia / Sobre as mansas paisagens resignadas; / Uma humaníssima melancolia / Embalsama as distâncias desoladas...”


Otto Maria Carpeaux considerava Leoni “o último parnasiano”, mas Péricles Eugênio da Silva Ramos o incluiu na Poesia Simbolista (1965).


No soneto “Platônico” o poeta fala das ideias: “As ideias são seres superiores, / -- Almas recônditas de sensitivas -- / Cheias de intimidades fugitivas, / De escrúpulos, melindres e pudores.”


Na 8ª edição de Luz Mediterrânea, de 1952, o 4º verso está “De crepúsculos, melindres e pudores”. Vendo que se quebrava a métrica, Péricles Eugênio supôs ter o poeta escrito “crepúsculos” com síncope (“crepusc’los”). Vim a saber depois que o correto é “De escrúpulos, me-lindres e pudores”, o que dá sentido à sequência.


Luiz Santa Cruz, no volume Raul de Leoni (1961) dos Nossos Clás-sicos, da Agir, ao ler o poema “Florença”, no qual o poeta fala “Dos mo-saicos, das rendas, dos brocardos” (sic), tenta explicar os “brocardos” como expressão “tomada com o significado de provérbios e axiomas, no caso elegantes e de estilo rendilhado”! Seguindo a logicidade da sequência, vê-se que no original estava “Dos mosaicos, das rendas, dos brocados”, e assim está na edição de Pedro Lyra. Dei a ele um exemplar da revista com um meu artigo, cheio de erros, que tive de emendar a mão...


Aqui vão os últimos versos de “Legenda dos Dias”, que dizem que o Homem sai, pensando achar o Ideal. E o soneto termina assim: “E a Vida passa... efêmera e vazia: / Um adiamento eterno que se espera, / Numa eterna esperança que se adia...”


Teve razão Pedro Lyra ao dizer ser a poesia de Raul de Leoni “uma das raras unanimidades críticas da poesia brasileira”. Por isso, o poeta ficou.

 

Sânzio de Azevedo

sanziodeazevedo@gmail.com
Doutor em Letras pela UFRJ; membro da Academia Cearense de Letras

 

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