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Ideias. O que os grupos Carecas e MBL têm em comum
Opinião

Ideias. O que os grupos Carecas e MBL têm em comum

Edição Impressa
Tipo Notícia

No início desta semana é que li as matérias e a repercussão sobre o episódio envolvendo os Carecas, em Fortaleza. Para começar, fiquei espantada com o panfleto bélico “O inferno voltou”, que anunciava o “retorno” das ações do grupo. Fui, então, ao blog onde os Carecas locais expõem seus pontos de vista. Numa época como a nossa não dá para achar nada demais um ajuntamento de gente que diz ser: “nacionalista” , “nem de esquerda nem de direita”, “contra a corrupção”, contra “as drogas”. O que me deixou perplexa, foi o fato de que embora digam condenar práticas racistas, os Carecas cearenses são antissemitas. Acreditam piamente nos Protocolos dos sábios de Sião. Sorri diante da tela do computador.

Lembrei-me do romance O Cemitério de Praga, do semiólogo e medievalista italiano Umberto Eco. Situado na segunda metade do século XIX, o enredo se passa na França, Itália e Alemanha e tem como ponto central o cemitério de Praga, lugar onde um grupo de judeus teria conspirado para dominar o mundo. Nesse ambiente, o personagem principal Simone Simonini, filho de pai italiano e mãe francesa, falsifica o tal protocolo de acordo com a versão desejada pelo comprador. O livro, baseado em fatos históricos, brinca com o fictício documento, alvo de cópias “falsificadas” que rodaram pela Europa no fim do século XIX, fermentando o preconceito contra judeus e maçons. Os textos Protocolos dos sábios de Sião chegaram ao – científico – século XX, e teriam inspirado um jovem de nome Adolf Hitler a escrever Minha Luta, traçando o plano de extermínio dos judeus. Mas isso também é ficção.  

Apesar da densidade histórica, Umberto Eco transforma o romance num saboroso e divertido tratado sobre o mundo das aparências que rondam os escritos e as ações baseadas neles. Nos episódios que envolvem os Protocolos de Sião, o nacionalismo e o ódio são as duas vertentes que sustentam a crença no documento, levando o personagem principal da trama a concluir que: “o patriotismo é o último refúgio dos canalhas”.  

O tal nacionalismo prescinde do ódio. Se o movimento Carecas - não apenas no Ceará, mas no Brasil - proclama ódio aos judeus, aos usuários de drogas, aos negros e homossexuais, o MBL destila seu ódio para a esquerda traduzida em tudo o que não se encaixa no moralismo liberal que o Movimento Brasil Livre optou como doutrina. Esta semana a filósofa Márcia Tiburi se recusou a debater com Kim Kataguiri, líder do movimento MBL por considerá-lo “indecente”. Embora polêmica, considero correta a atitude da filósofa. No facebook, o MBL a chamou de “porta-voz do fascismo vermelho, sacerdotisa suprema da esquizofrenia militante”. Certamente não dá para aturar um debate a partir desse tipo de concepção do outro.  

Defendo a liberdade de expressão, mesmo quando não concordo com o que é dito. Aliás, sinto-me estimulada a ler e estudar sobre as ideias com as quais não concordo. É a discordância que nos faz pensar. No entanto, defendo também a liberdade de deixar certos debates de lado dependendo do tipo de diálogo que será estabelecido. No caso do MBL, parece que é posto em prática o que o personagem Simonini, de Eco, afirma: “Muito bem, o senso de identidade se baseia no ódio, no ódio por quem não é idêntico. É preciso cultivar o ódio como paixão civil. O inimigo é o amigo dos povos”.  

Para mim é o ódio que une grupos como os Carecas e o MBL no Brasil de hoje.. 

 

Regina Ribeiro reginah_ribeiro@yahoo.com.br Jornalista do O POVO  

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