Logo O POVO+
Zé Bigode aos pés do açaizeiro
Opinião

Zé Bigode aos pés do açaizeiro

Edição Impressa
Tipo Notícia

No início dos anos de 1990, como repórter de Economia, cobri para O POVO a invasão dos restaurantes self services em Fortaleza – que ganharam popularidade na língua oral e ficaram conhecido como “sef-sef” ou “sev-sev”. 

 

A pauta era o fim do hábito do almoço caseiro entre o expediente de trabalho. Passou-se a comer na rua, na pressa da metrópole. Pouco depois, por uma semana, acompanhei a movimentação em torno do primeiro fast food de sanduíches da Cidade, no Centro. A partir do terceiro dia, tascava no editor elogios do tipo “babaca”, “provinciano”, os dois juntos e outros menos ingênuos.  

Já não suportava aquelas filas imensas com gente de todos os quadrantes da Cidade, que trocava o que chamávamos de almoço por um hambúrguer, uma porção de batatas fritas e uma coca-cola. O mais interessante, porém, era notar os descolados pedirem a novidade sem a salada e sem o molho característico, o que transformava o hambúrguer num pão redondo com um pedaço de carne em círculo. Só paramos de cobrir o negócio quando ficou explícito que, sim, Fortaleza havia se rendido à bandeira vermelha e amarela.
 

De lá para cá, todos esses modismos desafiam qualquer teoria de apropriação cultural e Fortaleza se impõe como a capital da imitação. Imita os outros, imita a si mesma, recria-se e basta surgir uma ideia nova na Cidade para que ela se multiplique ao extremo num abre-e-fecha frenético de estabelecimentos. Lembro-me de uma amiga que foi pedida em casamento no único restaurante japonês da Cidade. Achei a coisa mais sensível do mundo. Até que ela me contou os bastidores do encontro: ficaram minutos tensos diante dos “pauzinhos” (hashi) e das comidinhas que pareciam brinquedos. Ela interrompeu a agonia, chamou o garçom, que vestia trajes orientais, e pediu talheres. Ofereceram-lhes uma sala intimista com mesinhas baixas onde o casal poderia sentar-se sobre uns tapetinhos. Eles aceitaram, mas logo mudaram de ideia e preferiram o salão onde havia a familiar música pop. 

 

Enquanto a aliança de noivado não aparecia sobre a mesa, a noite fora intranquila; o cardápio, incompreensível; os garçons, afetados. É claro que isso era contado com muita graça por uma ex-bandeirante, estudante universitária, que acabava de ficar noiva de um advogado. O casamento acabou, mas até hoje ela tem o hábito péssimo de comer sushi em qualquer birosca.
 

Nos últimos tempos, a turma do açaí entrou em campo. O vermelho-vinho da fruta do norte, no entanto, tem seus segredos. Meu marido, que é acreano, afirma que 90% do que é vendido como açaí na Cidade, só tem metade da fruta, os outros 50% são água e a banana se encarrega do resto. Para se certificar, ele pergunta se o açaí “está bem congelado”. Se a resposta for “sim”, bingo! É que açaí puro, mesmo no congelador mantém uma espessura cremosa.


E para não ficar apenas com as comidas – o law carb virá depois –, agora existem as barbearias. Em toda esquina aparece uma. No penúltimo fim de semana, fiquei surpresa quando na região rural de Pindoretama, numa área rodeada por casebres e sítios para criação de cavalos, encontrei um lugar que se propunha a ser um múltiplo negócio da moda. Num dos lados da parede em preto e branco informava: “Barbearia do Zé Bigode”, no outro: “Açaí com banana”.

 

Regina Ribeiro
regina_ribeiro@yahoo.com.br
Jornalista do O POVO

O que você achou desse conteúdo?