Quando criança, confundia-me com frases ditas por minha mãe, dona Maria de Jesus, que vez por outra pronunciava os provérbios populares. Na maturidade, foi possível compreender a abrangência da sabedoria materna e popular que permeava as frases desconexas, absurdas ou simples. São possuidoras de sofisticado emaranhado de experiências humanas que guiaram gerações nas decisões do dia a dia, rotineiras ou não. O tempo, fator inexorável da vida, encarrega-se de transformar as sociedades, cujos hábitos, paradigmas, certezas mudam com novos pensamentos, ousadias ou oportunidades, faz parte da “evolução humana” mas, se atentar bem, há uma perenidade de ensinamentos que passeia mesmo hoje nos “antigos” saberes.
Leio acadêmicos teorizarem sobre a desvirtualização dos provérbios populares, como análise, é curioso perceber as transformações que sofreram. Mas, e daí? Não descredencia o que conhecemos como sabedoria popular. Na essência, faz parte da brasilidade esse apoderamento antropofágico de resimbolizar saberes complexos, externos ou elitizados aplicados de forma acessível, simples e direto na vida da nossa gente.
Certa vez assisti palestra do pensador italiano Domenico de Masi para grupo de empresários e executivos sobre a atualidade e perspectivas dos próximos anos no mundo. Emblemático, naquele ambiente empresarial perceber a análise de um intelectual estrangeiro sobre o Brasil. Dentre as reflexões, lançou luz na questão do “complexo de vira-lata” (criação de Nelson Rodrigues, nos anos 1950, sobre o pessimismo no futebol brasileiro não alcançar destaque internacional) aplicado em nossa sociedade atual.
O público, afeito as teorias mercadológicas internacionais, talvez, pela primeira vez, ouviu sobre a importância das contribuições de pensadores como Sérgio Buarque de Holanda, Darcy Ribeiro, Florestan Fernandes na valorização da identidade brasileira.
Uma das costuras de ideias no texto passeia pela autoestima do brasileiro (por favor, exclua qualquer referência ao pachequismo acéfalo), que torna-se possível quando compreendemos a magnitude das sabedorias construídas nas mais diversas formas e locais. Para gestar conhecimento carecemos sensibilidade e perseverança. Água mole e pedra dura, tanto bate até que fura.
Sérgio Falcão
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