Chibatar, tanto física quanto psicologicamente, é fácil, principalmente em desfavor dos mais desprotegidos; difícil é prever suas consequências.
Foi um escritor cearense, Edmar Morel (1912-1989), autor de A Revolta da Chibata, que cunhou esse nome para a sublevação de marinheiros no Rio de Janeiro, revoltados com a imoderação do castigo, de há muito abolido em outras Marinhas de Guerra mundo afora. Era 1910. O marechal Hermes da Fonseca, então presidente da República, e o Congresso Nacional, diante do clamor da Revolta, acabaram por ceder e, assim, a chibata foi oficialmente abolida da Marinha do Brasil.
"Desapareça a chibata". Era o justo brado dos revoltosos de 1910 e, sem dúvida, mutatis mutandis, o mesmo brado de hoje, até mais dolorido, dos trabalhadores, sejam eles do setor público ou privado (mais os primeiros, que se submeteram afinal a concurso público), que se veem à deriva, mercê de assédio moral, arrocho salarial e sanções chibatas, ou seja, punições desnecessárias e/ou desproporcionais aos fatos, hoje repelidas pela moderna pedagogia, que reclama a utilização de mecanismos consensuais de resolução de conflitos em casos de natureza administrativo-disciplinar de menor gravidade.
Lá se vão 108 anos da Revolta da Chibata e erros crassos de pedagogia se repetem, ferindo a dignidade do trabalhador, expondo-o publicamente mesmo em casos sigilosos e, bem assim, subtraindo-lhe a alma. Parece elementar que produzir via "chibata" fará revoltado o bom obreiro e sua vida útil como trabalhador será abreviada, diferentemente daquele que produzir apoiado e orientado para a sua vocação, tornando-se deste modo um longevo produtor de ricas sementes para a empresa ou instituição pública.
A questão é simples, mas a má política, sempre ela, atrapalha. Não oferecer apoio material, psicológico e de assessoria técnica básica ao trabalhador, como minimamente reclama a pedagogia de hoje (e igualmente o bom senso e a moral cristã), e insistir em rigores leoninos que só aviltam o ser humano, é o mesmo que atiçar uma multidão de trabalhadores, homens de bem, a ir às ruas e bradar: "Desapareça a chibata". Será a segunda revolta chibateana no Brasil, a começar por nosso Estado.
Eduardo Gibson Martins
edgibson@terra.com.br
Juiz de Direito especializado em Política Estratégica pela UFRJ e pela ESG e mestre em Direito Constitucional Comparado pela Universidade de Samford (EUA)