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Antes que a próxima tragédia nos alcance
Opinião

Antes que a próxima tragédia nos alcance

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Maísa Vasconcelos, jornalista, conduz o programa Papo de Mulher na rádio O POVO CBN (Foto: Mateus Dantas/ O POVO)
Foto: Mateus Dantas/ O POVO Maísa Vasconcelos, jornalista, conduz o programa Papo de Mulher na rádio O POVO CBN

Sensação de aperto no peito, impressão de que algo muito ruim está na iminência de acontecer, desânimo, cansaço. Seja na conversa entreouvida nas ruas, no desabafo da roda de amigos ou nos comentários lidos em postagens nas redes sociais, a semana deixou à mostra o que parece ser um estágio de esgotamento. Uma breve espiada no outro e a percepção é que ali há alguém prestes a ruir.

Estamos na metade de fevereiro e a contagem de perdas mostra 2019 como pilar frágil. O horror do tsunami de lama da Vale em Brumadinho, que deixou até o momento 166 mortos e 144 desaparecidos; a interrupção dos sonhos de 10 adolescentes jogadores do Flamengo, mortos num incêndio no alojamento do clube; a queda do helicóptero que calou precocemente a voz do jornalista Ricardo Boechat... Tragédias se sucedem sem que as lágrimas da infelicidade anterior tenham secado.

Tenho ouvido, permanece o medo de novo infortúnio, ao acordar, ao virar a esquina, ao virar a página. Além disso, resta o vazio singular de chorar a dor do outro, de sofrer pela ausência do desconhecido. A verdade é que, luto após luto, sem que saibamos quais, partes de nós se vão. E, ainda assim somos levados, à exaustão, a ver mais imagens, mais fotos e mais vídeos e mais reportagens sobre o assunto. Para além da compaixão, é como se quiséssemos purgar nossas culpas com o martírio de outrem.

Ocorre que não podemos permitir que a catarse se transforme em naturalização do que é trágico, do que nos mortifica. Mesmo que inconscientemente, ao tentar superar nossas fragilidades por vezes incorremos no desacerto de banalizar sentimentos e emoções. Mais que isso, caímos no erro de nos distanciarmos da racionalidade necessária para cobrar responsabilidades.

Precisamos chorar nossos mortos, sejam eles os que estão perto ou os que estão longe, conhecidos ou não. Carecemos de tempo para viver nosso luto, sim. Contudo, nossas legítimas agonias não podem encobrir a vontade de preservar os referenciais do zelo com o que é público e o compromisso urgente de defender a vida perante empresas, governos e seus representantes. n

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