Ortega y Gasset (1883 - 1955), em sua obra "A revolta das massas", contemplando o mundo a partir da Europa, entre as duas guerras mundiais, observou que as conquistas liberais do séc. XIX haviam produzido liberdades, garantias individuais, um crescente bem-estar material e uma tendência nas gerações nascidas após as conquistas aludidas, para desvalorizar os benefícios citados, pensando exclusivamente em gozar as vantagens laboriosamente construídas.
O filósofo espanhol foi perspicaz, chegou a vaticinar o advento da União Europeia. Valores passam por transformações históricas. Ele viu a tendência para o que poderíamos considerar futilidade. Hoje, porém, as massas assumem grande protagonismo político. As redes sociais estão saturadas de manifestações políticas. As massas estão politizadas. Isso era o sonho de alguns libertários ativistas e formadores de opinião. Seria um aperfeiçoamento democrático? Umberto Eco (1932 - 2016) afirmou que a internet ofereceu uma tribuna a todo idiota. Não percebeu na participação política das massas um exercício legítimo da cidadania. Não fica claro se tal percepção surgiu depois que as massas resolveram e puderam participar. Não há divulgação do que ele pensava antes do ativismo dos internautas comuns. Será que pregava a criticidade e o participacionismo como exercício da cidadania?
As manifestações aludidas são, muitas vezes, críticas ácidas, vazadas em linguagem deselegante, contendo informações falsas e raciocínios falaciosos. É esta a razão da revolta das elites intelectuais em face do ativismo das massas travestidas de internautas? Algumas pessoas letradas e inteligentes, formadores de opinião como professores e outros profissionais, praticam as mesmas condutas dos ativistas populares mencionados. A própria história da ciência é um cemitério de erros. Equívocos não são exclusividade dos simplórios. Agressividade também não. A quantidade e a frequência de tal manifestação varia, mas a diferença quantitativa não é de natureza ontológica, não modifica o que a coisa é. A política não pertence ao campo da técnica, por isso nivela por baixo eruditos e apedeutas. Intelectuais erram e têm mais dificuldade de reconhecer e corrigir os próprios erros, resistindo poderosamente a tal reconhecimento por ter argumentos para defendê-los devido a incomunicabilidade dos paradigmas (Thomas S. Kuhn, 1922 - 1996) e ao conhecimento como obstáculo epistemológico (Gaston Bachelard, 1884 - 1962).
A pele de cordeiro não consegue cobrir o rabo do lupino daqueles que defendiam o ativismo popular. Quando as massas assumem o protagonismo e a criticidade que eles tanto estimulavam horrorizam os arautos da emancipação. É a revolta das elites dizendo: manifeste-se, busque o seu emponderamento, desde que seja como nós queremos, como nós ditamos, porque você é um idiota a quem a internet não deveria entregar uma tribuna. O mundo transparente desmoralizou as vestais e os seus ventrílocos, os vaqueiros da boiada cidadã (robôs de partidos) e causando a revolta das elites.