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Sorte não é todo dia
Opinião

Sorte não é todo dia

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"Parece fácil quando a gente é oposição, e está tudo na ponta da língua. Quando é governo, tem de fazer as coisas e, ao tentar fazê-las, a gente se depara com uma série de obstáculos naturais em regimes democráticos". A frase é do então presidente Lula, nos idos de 2006. A facilidade a qual se referia Lula é a mesma que move a oposição de hoje, da qual o PT faz parte.

A reação aos contingenciamentos anunciados pelo Governo é típica da comodidade de quem está fora do Palácio. O orçamento federal previa crescimento do PIB maior, ele não veio e não há muito a ser feito, a não ser segurar as despesas. Onde for possível, decerto será feito. Ninguém quer. Nem o Governo, naturalmente. Sem dinheiro não há voto, reeleição.

A comparação mais simples é com uma empresa ou com uma família. Com caixa menor, menos espaço para pensar ou fazer o que for fora dela. Em empresas é mais fácil mirar na eficiência. É possível mexer na folha e no time. Em governos é diferente. Por isso pode ser um tanto frustrante a vida de gestor público egresso do privado. A lógica nem sempre é a regra.

Exemplo da vida real: não sai da memória o desabafo de um diretor administrativo de uma secretaria do Ceará, nos anos 1990. Diante de executivo novato com dificuldades para ter missões para tantas servidoras, ele retrucou dando de ombros: "Posso remover umas duas e levar para uma sala ali onde já pus algumas, porque demitir eu não posso. Alguém colocou aqui um dia e vamos ter de lidar com isso". Diante do cenário, o executivo agradeceu resignado e pôs-se a criar tarefas para aquele mundaréu de gente paga pelo contribuinte.

Noutros termos, frente ao caixa raso (shallow, como diriam Paula Fernandes e Luan Santana), a saída é apertar onde for possível. Isto é o contingenciamento. E ele mira nas chamadas despesas discricionárias. Justamente aquelas que mais doem, como a educação.

O debate deveria estar concentrado no tipo de reforma da previdência a ser feita, considerando ser o caminho para aliviar a conta de custeio da União, aquilo que Brasília gasta apenas para manter a casa funcionando. Todavia, ao tempo em que a equipe econômica faz contas, diagnósticos e propostas para uma reforma, o próprio presidente Bolsonaro e fieis seguidores com cargo no primeiro escalão se superam na arte de surpreender para baixo. Dentro da equipe econômica, uma ilha erguida a partir do Governo Temer, embora com alterações nos habitantes, há algum tempo já existe a leitura de que foi uma sorte até agora o mercado suportar a lentidão federal. O fechamento da Bolsa na sexta-feira, a subida do dólar e a intervenção do Banco Central mostra que sorte não é para sempre.

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