As imperfeições da representação política, partidos, instituições, líderes, mais impunidade, corrupção, criminalidade vulgar, desigualdades e carências de grande parte da população, instabilidade normativa e desarmonia entre os poderes da República ensejam o descrédito da nossa democracia. As imperfeições do nosso sistema representativo são reais. Agremiações partidárias têm lideranças personalistas com fins particularistas. O voto proporcional é disfuncional, sob certos aspectos. O Parlamento e seus partidos sem representatividade, com grande parte dos seus integrantes envolvidos em crimes, votou sucessivas leis que fortaleceram os procedimentos próprios do Direito premial.
Mas as vitórias contra a impunidade e a recuperação de bilhões de reais criminosamente subtraídos do erário resultaram da colaboração premiada criada pelos políticos que vieram a ser condenados e presos. A impunidade já não é uma certeza, ainda que se trate das mais altas personalidades da política e dos negócios. Prisão é só para preto, pobre e prostituta. Quem sempre defendeu a igualdade deve reconhecer esta vitória da democracia ou perderá a credibilidade.
O desvio de conduta dos dirigentes das instituições serve de argumento contra a democracia. Instituições seriam encarnadas por pessoas, quando estas têm condutas ilegítimas perderiam legitimidade. Não é assim. Interesses contraditórios dos agentes públicos corruptos favorecem a denúncia recíproca entre eles e beneficia o interesse público. Adam Smith (1723 - 1790) percebeu que não se faz boa política com homens bons. A boa política resulta da luta que os homens maus travam uns contra os outros. Quem dizia "pela ética na política" quando isso servia aos seus objetivos, passou a declarar que a luta contra a corrupção é ingenuidade ou hipocrisia.
Todas as imperfeições do nosso sistema representativo logo são esquecidas diante da possibilidade de perdermos a democracia que temos. Logo, ela não é tão ruim. Temos alternância de poder, liberdade para criticar autoridades, podemos destituir do poder quem perde a legitimidade sem quebra da ordem constitucional. O Ministério Público, a Polícia Federal e a magistratura têm independência para aplicar a lei, sem que os poderosos possam impedir. Transitamos do presidencialismo imperial ao parlamentarismo de fato.
Carências e desigualdades materiais são usadas como argumento contra a nossa democracia. Sem um mínimo de bem-estar social o governo do povo seria uma formalidade vazia. Bem-estar, porém, não é a essência da democracia. A Arábia Saudita não é uma democracia, embora ofereça bem-estar ao seu povo. A reserva do possível não deve ser esquecida. Os programas de transferência de renda, a variação favorável dos índices de escolaridade, analfabetismo, mortalidade infantil, esperança de vida ao nascer, acesso aos bens materiais - e todos os indicadores que se possa invocar - melhoraram grandemente, ainda que mais lentamente do que gostaríamos. A nossa democracia é vitoriosa também nesse campo.