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André Haguette: O antipresidente e a cumplicidade da classe média
Opinião

André Haguette: O antipresidente e a cumplicidade da classe média

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André Haguette, sociólogo. Foto: Mauri Melo, em 23/09/2011 (Foto: O POVO)
Foto: O POVO André Haguette, sociólogo. Foto: Mauri Melo, em 23/09/2011

Os eleitores estamos chegando a um diagnóstico sobre o presidente Bolsonaro. Na síntese de Eliane Brum, ele é um "antipresidente", antítese do que se espera de um estadista. Um bom governo exige a superação das facções e não a sua constante criação e recriação; um estadista agrega, lidera, projeta o amanhã, propõe e faz avançar agendas decisivas capazes de ter impactos positivos por décadas; um estadista age pensando na Nação e nas instituições e lhes dá direcionamentos para grandes e múltiplas conquistas.

Bolsonaro, pelo contrário, pensa pequeno, parcelado, fragmentado, a partir de retalhos. Ele não descobriu a complexidade das coisas ("tudo é cosido junto", Edgar Morin). Já escrevi que ele tem um pensamento infantil, pois é incapaz de pensar abstratamente. Acrescento que ele é movido por impressões, amarrado a suas sensações, a seus gostos e desgostos, a seus caprichos; a suas raivas e a seus ódios; seu pensar é mesquinho, tacanho, corriqueiro, curto, belicoso. Ele entende, na sua ânsia de tornar tudo e todos à sua imagem e semelhança, que "L´État, c´est moi" e resvala para um autoritarismo político conservador e arcaico. É familístico, ancorado na sua família a quem oferece benesses de Estado em detrimento do profissionalismo de instituições consolidadas. Preso a questiúnculas, ele despreza o conhecimento e a ciência, portadores de desenvolvimento sustentável.

Tudo isso, nós sabemos. Mas o que precisa ser explicado são os motivos da classe média, aquela que antigamente era chamada pequena burguesia, de ter-se tornado cúmplice de um indivíduo, digo, de um antipresidente com tão pouco brilho, tão pobre de espírito e de conhecimentos, tão despreparado. Creio que a resposta deva ser buscada no fato que, durante os governos de Lula e de Dilma, essa classe de pequenos comerciantes e prestadores de serviços viu os muito ricos e os muito pobres melhorarem de vida enquanto ela estagnava ou até regredia; a classe perdeu terreno economicamente e ficou raivosa diante da elevação da renda do andar de baixo que, segundo ela, se tornou "insolente" ao ponto de aspirar a fazer faculdade, comer iogurte, ter carteira assinada e viajar de avião, desconhecendo seu lugar subalterno; a pequena burguesia acusou perda de status. Acrescenta-se a isso que sua índole racista, homofóbica, antifeminista explodiu de ódio diante das leis do trabalho doméstico, das cotas e do Bolsa Família.

Criou-se, então, uma simbiose com a (in)cultura de Bolsonaro que, sejamos justos, teve a habilidade eleitoral de dirigir contra o PT e à esquerda, mentirosamente chamados de comunistas, as insatisfações e os ódios acumulados, a soberba e a corrupção de petistas. Através de Bolsonaro, a pequena burguesia acredita se vingar, espera ganhos econômicos e a supremacia de sua ideologia. Em suma, ela pretende manter a superioridade branca sobre o povo, lambuzando-se na prepotência de sua autoconferida meritocracia!

Nota. Repudio a Portaria nº 1.373 de 18 de julho passado que visa manietar a autonomia e a liberdade de conhecimento, ensino e pesquisa das universidades federais. 

 

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