Logo O POVO+
Valmir Lopes: Diagnósticos do passado
Opinião

Valmir Lopes: Diagnósticos do passado

Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Valmir Lopes 
Cientista político e professor da UFC
 (Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Valmir Lopes Cientista político e professor da UFC

Ao terminar a leitura de Nas sombras do amanhã - um diagnóstico da enfermidade espiritual de nosso tempo, do historiador holandês Johan Huizinga, mais conhecido no Brasil pela obra Homo Luden, lembrei-me da obra de reflexão e memória do austríaco Stefan Zweig O mundo que eu vi - minhas memórias.

As duas obras podem ser lidas simultaneamente porque tratam da mesma época e são iluminadas uma pela outra. Antes de tudo se trata de obras de reflexão sobre destroços de um tempo em acelerado processo de transformação, revelando a consciência de ambos sobre o que se estava perdendo. É verdade que ressaltam mais perdas do que ganhos. A sensação de ruptura com o passado é evidente, padrões culturais se modificavam de forma visível, deixando para trás modos de ser ultrapassados. E a razão reflexiva não consegue entender aonde isso nos levará.

Publicada originalmente em 1935, o livro de Huizinga foi lido como obra de um velho acadêmico liberal pessimista pela imprensa local. Não há espaço para otimismo, mesmo que o autor insista que é otimista, não nos permite ter a mesma convicção. Zweig - que se suicidou em Petrópolis, em 1942 -, apresenta uma pintura mais íntima, reconstruindo sua trajetória de escritor célebre por décadas na Europa. O ponto alto é marcado pelo advento da Primeira Grande Guerra.

Educados em culturas distintas e similares nos valores, os dois constatam o surgimento de um mundo dominado pelo espírito do imediato e da frivolidade. Acompanham e sentem os reflexos no pensamento da crise da ciência provocada pelas novas descobertas da física que apartaram a consciência do homem comum das realizações e compreensão da razão científica. Lamentam o padrão baixo da reflexão oferecida ao grande público e sua incapacidade de absorver os aspectos mais perturbares dessas novas realizações. Tanto quanto em nossos dias, surge uma forma de filosofia de expressão irracionalista com predomínio do anti-intelectualíssimo voltada inteiramente para a vida. A consciência prática ganha força em detrimento da razão reflexiva.

Zweig apresenta o mesmo mundo em decomposição só que a capacidade habitual do grande escritor o faz perceber em sua própria trajetória o mundo que se destrói a sua frente e a construção de um outro muito diferente. Formado numa cultura iluminista percebe esse novo mundo opaco e se vê incapacitado de adaptação e prefere saltar da história.

O diagnóstico feito à luz da razão reflexiva é quase sempre propenso à melancolia e certo pessimismo. Talvez seja da sua natureza. Se a ação dependesse somente da teoria para agir, nunca se moveria. Cada vez que se conhece, mais se descobre a incômoda sensação que pouco se sabe. Felizmente, existe uma dimensão prática na existência que dispensa por completo as teorizações.

Comparando diagnósticos feitos no passado por intelectuais sobre crises semelhantes à nossa e as atualmente feitas, temos a sensação que houve uma simplificação e mediocrização dos resultados obtidos. No passado, era aguda a consciência que havia uma civilização em declínio, hoje, esses que pensam em termos de cultura ocidental são vistos somente como reacionários. 

O que você achou desse conteúdo?