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Não sei me definir como pai
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Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.

Não sei me definir como pai

Tipo Crônica
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Hoje, Dia dos Pais, tive o impulso de escrever algo fofo sobre ser pai ou ser filho de um pai conhecido ou desconhecido, presente ou fugitivo. Mas achei que algumas meninas e meninos, já adultos, poderiam se constranger.

É besta o que vou dizer, mas vi que ao redor de minha vidinha comum há uma récua de garotas e garotos já crescidos, barbados e moças feitas, que não suporta a história de ter de festejar o pai.

Confesso que, mais ou menos, faço parte desse elenco. Mesmo reconhecendo o que há de bom em mim e em meus irmãos, provavelmente, herdado de meu pai. Sim, ele também tem virtudes.

É que parece ser assim, quem teve infelicidades na infância e na adolescência com o pai tem a necessidade de reafirmar que a mãe é a principal razão de ser. Porque a fulana aguentou o tranco e criou na marra.

Na maioria das vezes, ela termina fazendo o papel dela e ainda se aperreia porque não pode assumir o lugar da figura paterna. Mãe não é pai e brá. Nem precisa ser.

Nem sei se quando filhos, inconscientemente, nos tornamos cruéis com a figura do pai equivocado. Ou se herdamos dele a crueldade e o equívoco que vêm bolando no sistema familiar geração após geração.

O problema é que não vamos atrás de resolver as pendências. A gente regurgita uma vida inteira e ainda entrega para filhos e sobrinhos azias, gastrites e cânceres.

Não é fácil deixar de expandir machismos, de não se desfazer de mentalidades enraizadas ainda no Brasil Colônia. De não ser avesso à violência doméstica ou à brutalidade no espaço público.

Não sei me definir como pai. O primeiro impulso que tive quando me separei foi correr atrás de preencher os horários possíveis (e impossíveis) com três filhos pequenos. Culpa muita.

A culpa era mais aloprada do que as torres do BS Corporate Towers. Queria porque queria mostrar que não era igual a meu pai. Que havia me separado, mas estava por perto de Saulo, Sarah e Pedro.

Corria feito um alucinado para cima e para baixo. Deixei de bater racha e fui me desorganizando para compensar uma culpa e a necessidade de dizer que não reproduziria um algoritmo velho. A velha arte de se chicotear.

Essa conversa é longa e há anos abro e fecho a caixa de pandora na sala do psicólogo. Descubro coisas inacreditáveis nas constelações. Choro, sapateio, gargalho e prometo mil juras de perdões, honra e de cura para mim e eu com meu pai.

Mas há atravessamentos no meio das encruzilhadas. Não é besteira, são anos e anos de mentalidades degeneradas que precisam ser expiadas.

Não por menos temos no poder um pai machão, bélico, homofóbico, misógino, perpetuador de filhos equivocados, provedor, simpatizante de torturadores, odiador de índios e florestas...

Uns julgam frescura e baitolagem a necessidade do amor de pai presente. Talvez por isso, uma porrada de filhos e filhas esteja na tranca do silêncio, dos tiques, da pulsão pela morte.

Não sei me definir como pai... Mentira! Tenho anotações piegas, palavreados fofos e dúvidas compartilháveis apenas na sala do psicólogo. Mas sei que todo homem, toda mulher precisa (também) de um pai.

Foto do Demitri Túlio

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