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Eugênia Augusta Gonzaga: Mortos e desaparecidos: um débito do Brasil
Opinião

Eugênia Augusta Gonzaga: Mortos e desaparecidos: um débito do Brasil

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Eugênia Augusta Gonzaga 
Procuradora Regional da República da 3ª Região e ex-presidente da Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos
 (Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Eugênia Augusta Gonzaga Procuradora Regional da República da 3ª Região e ex-presidente da Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos

Diante da minha exoneração sumária da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos pelo presidente da República, no dia 31 de julho de 2019, apresentei às famílias de mortos e desaparecidos políticos um relatório de atividades do qual devo me orgulhar.

Mas durante esse inventário, cheguei à conclusão de que nenhum trabalho realizado neste tema, por mais intenso e técnico que seja, será suficiente para atenuar o débito do Estado brasileiro para com essas famílias, enquanto este mesmo Estado não revelar as circunstâncias das mortes e desaparecimentos de seus entes queridos.

Foram criadas comissões, como a de Mortos ou a Comissão Nacional da Verdade, mas não lhes apresentaram as informações necessárias para que finalmente fosse revelado o que se passou, sem meias verdades, sem contrainformações.

Vergonhosamente, graças ao Supremo Tribunal Federal, ainda somos o único país na região que não puniu os autores de violações gravíssimas como estupros, torturas, assassinatos e ocultação de cadáveres, cometidas naquele período. Essa postura em relação aos crimes da ditadura demonstra que a justiça brasileira considera tais atos, quando praticados por agentes do Estado, pouco importantes e dignos de punição, tanto que esse tipo de violência continua sendo largamente praticada no presente com pouquíssimas condenações.

E por isso somos obrigados a ouvir de um juiz federal e governador de um estado como Rio de Janeiro, que tem índices altíssimos de toda forma de violência, inclusive estatal, dizer que o único direito humano de "bandido" é ao velório. Somos obrigados a conviver com injúrias graves e calúnias proferidas diariamente por um presidente da República contra as famílias de vítimas do Estado, mas que foi eleito por mais de 50% da população para os quais certamente a dor e a vida alheia pouco importam. Se esquecem de que, no dizer de Caetano Veloso, em terra que tem tortura, ninguém é cidadão.

A única conclusão possível é a de que os governos brasileiros falharam terrivelmente nesse tema, desde o final da ditadura em 1985, e o País agora está pagando um preço altíssimo por essa transição mal feita e inconclusa. Todos os países que fizeram uma transição baseando-se no esquecimento ficaram sujeitos a graves retrocessos na democracia. 

 

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