A nomeação de Cândido Albuquerque no cargo de reitor da Universidade Federal do Ceará feriu a instituição, tirando-lhe a capacidade de se autodeterminar de acordo com os preceitos constitucionais vigentes. Se a exigência de elaboração de uma lista tríplice possibilitava ao presidente da República escolher qualquer um de seus integrantes, um apreço, por menor que seja, a regras democráticas elementares levaria ao imperativo do respeito ao grau de representatividade dos candidatos dentro da própria instituição. Como não considerar imposição autoritária a nomeação de um candidato que obteve, respectivamente, 3,98%, 9,41% e 6,97% dos votos dos estudantes, dos servidores técnico-administrativos e dos servidores docentes e 9 dos 64 votos no Conselho Universitário? Se a legalidade de um ato é de fundamental importância em regime democrático, a representatividade também o é, pois é ela que determina a sua legitimidade. Onde não há legitimidade, há demonstração de força, abuso de poder, violência, exercício de mando, não democracia. Na ausência de legitimidade interna, a indicação não só desprezou a maioria, como a confrontou e a ultrajou.
A nomeação do senhor Cândido Albuquerque manifesta uma intenção presidencial belicosa, policialesca, impositiva de uma visão de mundo baseada em caprichos e preferências pessoais, visão jamais expressada em argumentos racionais ou evidências metodológicas científicas, que são justamente a razão da existência e das atividades de uma universidade. Essa nomeação, quando contextualizada com as recentes intromissões intempestivas do Bolsanaro no Itamaraty (indicação do filho), no Ibama, na Polícia Federal, no Coaf, na Receita Federal, deve ser interpretada como um gesto despótico, alheio ao diálogo, à argumentação, à consulta, a valores participativos; gesto de um personagem que declarou: "quem manda aqui sou eu"; "sou presidente para interferir mesmo".
Interferir em que sentido? A UFC não faz senão melhorar, ano após ano, no exercício de sua tríplice missão, assumindo liderança no Ceará e no Nordeste, e destacando-se nacionalmente no campo da pesquisa, embora tanto ela quanto o sistema universitário federal possam necessitar de reformas, não impostas, mas construídas pelo diálogo. A Universidade não é uma instituição disciplinar como o é, por exemplo, o Exército. Nela não se obedece a mandos, a ordens. A qualidade do ensino, da extensão e da pesquisa dependem da adesão interior, da colaboração, da interlocução, não da obediência. Manietada, a universidade se desfigura.
Se essa nomeação não foge ao contumaz caráter autoritário de Bolsonaro, o oportunismo de Cândido ao ter trabalhado e aceito o cargo contra a vontade de seus pares vai macular definitivamente sua reputação.
Vale a orientação de Fernando Henrique Cardoso: "como mostram muitos livros recentes sobre a crise da democracia, a forma moderna de corrompê-la não passa por golpes militares, mas por atos governamentais que, quando não encontram reação à altura, pouco a pouco lhe vão arrancando as fibras. O preço da liberdade é a eterna vigilância", e, acrescento, a resistência.