A revista Cahiers du Cinéma estampou na capa de setembro Bacurau, assinado pelos cineastas Kléber Mendonça Filho e Juliano Dornelles. Acredito que não darei spoilers se disser neste texto que este filme é uma ode à morte, não à morte como parte da vida como a conhecemos na nossa cultura, mas da morte como coisa, cuja banalidade alcança o maior estágio de uma escala imaginária. Aliás, os primeiros objetos a serem mostrados no filme são caixões fúnebres. Os caixões, estranhamente, compõem a cesta básica distribuída pelo prefeito do lugar ficcional. Em agosto último, Bacurau arrebatou o prêmio do Júri no Festival de Cannes. Na Cahiers, o título da revista estampa uma foto do filme e a manchete: "Le Brésil de Bolsonaro".
Na trama, o lugarejo perdido no sertão de Pernambuco se vê às voltas com a falta d´água. De repente, descobre que sumiu do mapa. Depois, percebe que perdeu a conexão com o mundo externo. Os habitantes de Bacurau sabem que estão sendo atacados, mas não sabem por que nem por quem. Nesse mundo distópico onde diálogos surreais sobre experiências com armas, o prazer de matar o diferente e o desejo de extermínio sequer é sorrateiro. Ele se apresenta como uma normalidade absoluta, quase como um padrão de comportamento e interpretação da realidade, sem contar o alto poder de contágio.
A morte tem também um caráter metafórico de aniquilamento e de exclusão. E talvez seja essa distopia que aos poucos está se transformando numa realidade no Brasil. Para além das reformas econômicas, se vê claramente no País uma tentativa de intimidação do pensamento livre, da liberdade de expressão, da valorização da morte como solução para os problemas aos que estão em situação de vulnerabilidade e o silenciamento dos povos indígenas e da comunidade LGBT.
Bacurau expõe de forma realista uma sociedade envolta à violência extrema sem aparente preocupação em dividir o mundo entre bons e maus, vilões e mocinhos. Nesse faroeste brasileiro, o mal só tem um lado, que é o de estar vivo. No último fim de semana a peça Abrazo, encenada pelo grupo Clowns de Shakespeare, foi cancelada em Recife. Trata-se de um espetáculo infantil que mostra um país que proíbe demonstrações de afeto, para falar sobre ditadura para as crianças. A peça era baseada na obra O livro dos abraços, de Eduardo Galeano.