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Gabriella Bezerra: Menos política
Opinião

Gabriella Bezerra: Menos política

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Gabriella Bezerra
Doutora em Ciência Política e pesquisadora vinculada ao Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem) da UFC
 (Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Gabriella Bezerra Doutora em Ciência Política e pesquisadora vinculada ao Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem) da UFC

Um Uber, certa vez, perguntou minha profissão. Ao descobrir, disse que se ressentia com a universidade. Não foi grosseiro, mas fez um relato de "sexo, drogas e pouco estudo" irrealista. Falei, com tranquilidade, que isso era muito diferente do que eu vivia e dos dados estatísticos. Perguntei, então, por que ele achava isso. Não conseguiu explicar, mentiu e mudou de assunto. Como meu interesse era apenas entender por que ele acreditava nisso, fiquei satisfeita. Um campo de estudo da psicologia e política em algumas universidades estrangeiras têm enfatizado dois temas: o tribalismo e a despolitização (ver livros de Steven Pinker e Joshua Greene). Depois de uma série de estudos, cientistas demonstraram como o nosso cérebro reage a ideias diferentes da nossa. Descobriram que instintivamente tendemos a privilegiar aquilo que é parecido com a gente. Teríamos desenvolvido o instinto protetor familiar e tribal.

O que é interessante nesses estudos é que alguns agrupamentos, não necessariamente familiares ou territoriais, agem da mesma maneira. E isso não quer dizer mau-caratismo ou falta de conhecimento. Pelo contrário, os testes mostram que pessoas com anos de educação formal desenvolvem melhor seus argumentos protetivos e, quando submetidas a dados que contradizem suas opiniões, reforçam ainda mais seus pontos de vista. Isso poderia significar a impossibilidade de decisões políticas informadas, mas os pesquisadores conseguiram encontrar maneiras alternativas e, em alguns casos, a despolitização se mostrou favorável. Muitas vezes, não funciona apresentar uma lista de argumentos contrários, dados, evidências. Funciona pedir que a pessoa explique um projeto, por exemplo. Isso se deve ao fato de que poucas pessoas realmente conseguem entender suas convicções e mais, não fazem a menor ideia disso. Já fiz esse teste algumas vezes com o Bolsa Família. Não apresento toda a estatística positiva do programa, apenas pergunto: como ele funciona? Mas lembro que eu posso também ter uma atitude "tribal" e não saber disso. O diálogo vai exigir de mim menos paternalismo e menos presunção. 

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