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Editorial: Excludente de ilicitude: licença para matar?
Opinião

Editorial: Excludente de ilicitude: licença para matar?

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O Brasil foi tomado de comoção causada pela morte de uma menina de 8 anos, assassinada por um tiro de fuzil nas costas, durante ação da PM no Rio de Janeiro, neste sábado, 21. Ágatha Félix é a quinta criança morta em circunstâncias semelhantes, de um total de 16 atingidas, desde o início da gestão do governador Wilson Witzel (PSC). Após uma longa demora para se pronunciar, e premido pelos protestos da opinião pública local, nacional e estrangeira, ele, por fim, anuiu: "O governador e o governo do estado lamentam profundamente todas essas mortes". E acrescentou: "Essas e todas as outras que possam acontecer". Uma ameaça deixada no ar? O mínimo que se pode depreender é que Witzel não vai parar de usar métodos condenáveis na "guerra" que alega estar desferindo contra o crime organizado e já classificada como "necropolítica", por seus críticos.

Entre janeiro e julho deste ano, segundo dados do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro, coincidindo com a chegada de Witzel ao poder, um total de 1.075 pessoas morreram em operações policiais na cidade, número 23% superior ao mesmo período do ano passado de acordo com o Observatório da Segurança Pública do Rio. Isso significa quase um quarto de todas as mortes causadas pela polícia no Brasil no ano passado. A taxa de crianças baleadas aumentou 80% na era Witzel.

O próprio governador tem participado das operações, em helicóptero que faz voos rasantes sobre as favelas, de onde se metralham "suspeitos", em operações vistosas semelhantes às das tropas americanas contra os vietcongs, no Vietnã. Ele foi denunciado a organizações internacionais por entidades de direitos humanos por conta disso. Um dos ministros do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, veio a público condenar o morticínio: "Uma política de segurança pública eficiente deve se pautar pelo respeito à dignidade e à vida humana" - disse no Twitter.

Witzel lidera o grupo de extremados que defendem uma solução policial para os problemas sociais e de violência nas favelas do Rio, bem como que os agentes públicos não sejam punidos pelas mortes que causam. Esse grupo ganhou respaldo político e jurídico de altas autoridades da República traduzido no Pacote Anticrimes do ministro da Justiça, Sergio Moro, sobretudo com o item referente à "excludente de ilicitude". Pela proposta, o juiz pode reduzir a pena à metade ou deixar de aplicá-la se o excesso do agente ocorrer por "escusável medo, surpresa ou violenta emoção". Puro subjetivismo. No mínimo, isso é considerado uma "temeridade", já que seria entendido por uma polícia já por demais violenta, como uma licença para matar. E a legislação atual já assegura ao agente da lei as condições em que pode praticar uma legítima defesa. Há uma ampla movimentação na sociedade - inclusive nos meios jurídicos democráticos - para que o Congresso repila essa mudança na lei. 

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