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Helena Martins: Ceará rumo à distopia de 1984
Opinião

Helena Martins: Ceará rumo à distopia de 1984

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Helena Martins - professora da UFC (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Helena Martins - professora da UFC

A Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará anunciou mais uma medida que associa o uso de tecnologia à política de segurança pública. Ainda em outubro, segundo o secretário André Costa, policiais poderão fazer reconhecimento facial "de suspeitos" em abordagem nas ruas por meio de smartphones, o que será viabilizado por meio da ampliação das funcionalidades do aplicativo Portal de Comando Avançado (PCA), atualmente utilizado para identificação biométrica.

Ao apresentar a tecnologia como saída de forma simplista, omite-se tanto o fato de ela não ser neutra, podendo ser desenvolvida para atender objetivos de políticas que, justificadas pela demanda de segurança e ancoradas no argumento da neutralidade técnica, viabilizam a vigilância estatal sobre a população quanto de incorporar vieses, inclusive de gênero, racial e de classe, o que facilmente levará a um uso voltado sobretudo para setores já estigmatizados. Serão pessoas negras as consideradas, a priori, "suspeitas" e a terem sua circulação na cidade ainda mais limitada e sujeita a constrangimentos.

Políticas de reconhecimento facial têm sido criticadas em todo o mundo. Em primeiro lugar, porque ameaçam as liberdades de todos, a começar pelo direito à privacidade. Essa preocupação levou a cidade de São Francisco (EUA), berço do Vale do Silício e de suas inovações, a banir o uso de reconhecimento facial em locais públicos por agências governamentais. Além disso, porque têm se demonstrado ineficazes. Pesquisa feita pela Universidade de Essex, no Reino Unido, analisou 42 casos de reconhecimento facial e concluiu que houve acerto em apenas oito deles, menos de 20%.

A sanha vigilantista e punitivista que tem orientado as políticas de segurança do Brasil e do Ceará tem animado a apresentação de projetos desse tipo, sem que sejam considerados princípios como proporcionalidade, finalidade, consentimento e transparência, que orientam a Lei Geral de Dados Pessoais aprovada no ano passado. É preciso abrir um debate público sobre o tema e criar mecanismos para salvaguardar o exercício de direitos e as liberdades das pessoas. 

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