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Henrique Araújo: Augusto Nunes e o falso dualismo
Opinião

Henrique Araújo: Augusto Nunes e o falso dualismo

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Henrique Araujo (Foto: acervo)
Foto: acervo Henrique Araujo

Há entre alguns de nós uma noção distorcida de dualidade, às vezes até desonesta, que equipara gestos cujo teor não guarda relação, estabelecendo uma falsa equivalência, de modo a justificar o injustificável - em alguns casos, o abominável. Assim, se se ameaça a ordem constitucional é porque, do outro lado, existe um extremo com sinal ideológico invertido que garante o direito a um ponto de vista radical. Nada mais enganoso, e também arriscado. Afinal, qual é o outro lado de um ato contra a integridade física de alguém?

Cito isso a propósito de todas as ressalvas que vi ontem ao gesto condenável do jornalista Augusto Nunes, que agrediu a socos o colega de profissão Glenn Greenwald durante programa de rádio. Chamado de covarde depois de ter se referido de maneira desrespeitosa à família de Glenn, Augusto esmurrou-o.

Em sua defesa, o brasileiro disse haver protegido sua honra, esse valor a que homens frequentemente recorrem quando se veem ameaçados por suas próprias fragilidades, partindo para a briga. Calhou de a vítima ser outro homem, mas normalmente é uma mulher.

Com Nunes não foi diferente. Suas desculpas posteriores não eliminam o fato de que cedeu ao baixo expediente da força, dispensando-se de qualquer traço de civilidade, esse princípio nobre que fez Greenwald acreditar que seria importante participar do "Pânico" na Jovem Pan, emissora que se tornou o esgoto onde se fermenta o lodo político no Brasil.

Mas não ficou nisso. Houve quem aplaudisse o agressor, tratando-o como herói. Na verdade, muitos lhe bateram palmas e até pediram que, na próxima, seja mais certeiro. Entre eles, dois dos três filhos do presidente da República. Sob o argumento de que o jornalista apenas reagiu como qualquer um faria, trataram o triste episódio como um entrevero ordinário, típico de desavenças masculinas, propositadamente ignorando que as soluções extremas se replicam na esteira da ignorância.

Primeiro, uma ofensa aqui e outra ali. Em seguida, a menção ao fechamento do Congresso. Aí vem uma declaração mais enfática sobre a ditadura. E, finalmente, o recurso à violência explícita. É um roteiro conhecido, mas de escalada imprevisível e efeitos danosos.

Para tudo isso que temos visto, não há um outro lado que o justifique. Há um único lado, o extremista, que todos podem identificar facilmente. Porque esse lado exercita o abuso, que ainda não se tornou frequente no País, mas talvez não estejamos muito longe disso.

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