Há entre alguns de nós uma noção distorcida de dualidade, às vezes até desonesta, que equipara gestos cujo teor não guarda relação, estabelecendo uma falsa equivalência, de modo a justificar o injustificável - em alguns casos, o abominável. Assim, se se ameaça a ordem constitucional é porque, do outro lado, existe um extremo com sinal ideológico invertido que garante o direito a um ponto de vista radical. Nada mais enganoso, e também arriscado. Afinal, qual é o outro lado de um ato contra a integridade física de alguém?
Cito isso a propósito de todas as ressalvas que vi ontem ao gesto condenável do jornalista Augusto Nunes, que agrediu a socos o colega de profissão Glenn Greenwald durante programa de rádio. Chamado de covarde depois de ter se referido de maneira desrespeitosa à família de Glenn, Augusto esmurrou-o.
Em sua defesa, o brasileiro disse haver protegido sua honra, esse valor a que homens frequentemente recorrem quando se veem ameaçados por suas próprias fragilidades, partindo para a briga. Calhou de a vítima ser outro homem, mas normalmente é uma mulher.
Com Nunes não foi diferente. Suas desculpas posteriores não eliminam o fato de que cedeu ao baixo expediente da força, dispensando-se de qualquer traço de civilidade, esse princípio nobre que fez Greenwald acreditar que seria importante participar do "Pânico" na Jovem Pan, emissora que se tornou o esgoto onde se fermenta o lodo político no Brasil.
Mas não ficou nisso. Houve quem aplaudisse o agressor, tratando-o como herói. Na verdade, muitos lhe bateram palmas e até pediram que, na próxima, seja mais certeiro. Entre eles, dois dos três filhos do presidente da República. Sob o argumento de que o jornalista apenas reagiu como qualquer um faria, trataram o triste episódio como um entrevero ordinário, típico de desavenças masculinas, propositadamente ignorando que as soluções extremas se replicam na esteira da ignorância.
Primeiro, uma ofensa aqui e outra ali. Em seguida, a menção ao fechamento do Congresso. Aí vem uma declaração mais enfática sobre a ditadura. E, finalmente, o recurso à violência explícita. É um roteiro conhecido, mas de escalada imprevisível e efeitos danosos.
Para tudo isso que temos visto, não há um outro lado que o justifique. Há um único lado, o extremista, que todos podem identificar facilmente. Porque esse lado exercita o abuso, que ainda não se tornou frequente no País, mas talvez não estejamos muito longe disso.