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O que dizem as redes sociais
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Jornalista (UFC-CE) e licenciada em Letras (Uece), é doutoranda em Linguística (PPGLin-UFC), mestra em Estudos da Tradução (UFC-CE), especialista em Tradução (Uece) e em Comunicação e Marketing em Mídias Digitais (Estácio). No O POVO, já atuou como ombudsman, editora de Opinião, de Capa e de Economia, além de ter sido repórter de várias editorias. É revisora e tradutora.

O que dizem as redes sociais

Tipo Opinião

O caso de agressão a uma garçonete grávida em Fortaleza, no estabelecimento em que ela trabalha, durante o seu horário de trabalho, foi pauta em grande parte das conversas reais e virtuais na semana que passou. O acusado, então cliente no local, é empresário, bem conhecido na Cidade, dono de outros estabelecimentos e professor universitário.

Tão logo o relato foi publicado, em nota de repúdio pelo restaurante onde o episódio aconteceu, os comentários nas redes sociais trataram de julgar o caso. É inegável que houve uma justa cobrança clara e intensa aos veículos de comunicação em geral para a publicação do fato. Por envolver um acusado afamado, cuja família é proprietária de bufês e cafés famosos na Cidade, essa exigência da publicação foi ainda mais aguda.

Nesse ponto, faz-se necessário reconhecer que, sem o poder das redes sociais, um ato grave como esse - uma agressão - talvez nunca fosse conhecido nessa proporção. Os comentários que se sucederam à nota de repúdio divulgada intensificaram a repercussão do fato, que ocorreu, de acordo com o relato, no dia 1º (sexta), e foi divulgado no dia 4 (segunda).

A cobrança para a publicação de matéria nos portais e jornais - incluindo O POVO - começou ainda na segunda. O POVO divulgou a notícia na tarde da terça, 5. Foi publicada nas redes sociais e no portal, além de ter sido enviada na lista de notícias do WhatsApp. No jornal impresso, a matéria foi veiculada na quarta, 6.

Das críticas e questionamentos que vi e recebi, muitos leitores sugeriam que o jornal não havia publicado algo antes porque o acusado, Rodrigo Viriato, seria colunista do O POVO. Também alegavam a proximidade do empresário com jornalistas da Casa, já que frequentemente ele está nas colunas sociais do jornal.

Responsabilidades

Rodrigo, de fato, assinou uma coluna de gastronomia nas páginas do O POVO, mas há cerca de um ano o espaço não existe mais. A proximidade com os jornalistas não deve interferir na publicação das notícias, principalmente em casos como esse, em que uma acusação grave está em xeque. A Diretoria da Redação nega. Os questionamentos foram enviados em avaliação interna, e as matérias foram publicadas em seguida.

Diretor da Redação, Erick Guimarães explicou que a matéria, como toda apuração do tipo, exige um tempo para a verificação. "Não se pode cair na tentação do imediatismo das redes. Precisamos de um tempo para checar se aquilo realmente procedia. Desses procedimentos a gente não abre mão", enfatizou.

Diante de uma situação dessas, a comoção gerada é incontestável. Se há uma agressão, se foi constatado um crime, que se enquadrem os acusados. No entanto, quem precisa julgar os agentes ouvidos são as instituições que lidam com a segurança e a justiça. A dinâmica das redes sociais segue um ritmo de despejar, por trás de uma tela, tudo o que se pensa de cruel contra um ato igualmente reprovável. O jornalismo não deve ser assim.

Além disso, existe uma sequência de apuração, de produção e de checagem, no processo jornalístico, para a escrita das matérias. Seguir a agonia nervosa dos que se escondem nas redes sociais e vertem, sem filtro, suas opiniões não é próprio do jornalismo. O ritmo das redes sociais não é o mesmo ritmo dos jornais. Nem deve ser. A quase instantaneidade das redes sociais é um tempo arriscado para o jornalismo profissional e, portanto, de qualidade.

Se há algo que dita o comportamento de boa parte dos usuários das redes sociais, que despendem horas infindáveis de atenção a acontecimentos frívolos ou não se ocupam de suas responsabilidades quanto ao que publicam, é uma inquietação que as próprias redes sociais precisam cuidar de resolver. O jornalismo e seus produtos não podem se curvar isso. O jornal, é claro, deve informar tudo aquilo que se encaixa nos padrões do que é notícia - algo que tem relevância, que tem interesse público, que é atual, por exemplo.

No caso em questão, da agressão à garçonete, os veículos de comunicação precisam - como têm feito - noticiar a ocorrência, que atende a boa parte dos critérios conhecidos como importantes para a seleção de notícias. Entretanto, promover julgamentos e ofensas e responsabilizar empresas por algo que uma pessoa física fez não deve ser competência do jornalismo.

A propósito, tem-se criado, ultimamente, uma famigerada "cultura do cancelamento". Além de implacável, é desumano sair divulgando nomes de gente que tenha se envolvido em confusão e ainda questionar sorrateiramente: quem será o próximo "cancelado"? São matérias assim, que o próprio jornal contribui para divulgar, que ajudam a fazer das redes sociais um ambiente mais pernicioso e tóxico.

 

Foto do Daniela Nogueira

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