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Editorial: Democracia é incompatível com poder unipessoal
Opinião

Editorial: Democracia é incompatível com poder unipessoal

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Tipo Notícia

Os brasileiros estão abismados com a erosão acelerada do ambiente democrático nacional. Tenta-se embaralhar subjetividade governativa e impessoalidade institucional. A barafunda está à vista: basta ver as últimas decisões tomadas pelo presidente da República e pelo prefeito do Rio de Janeiro. O primeiro, Jair Bolsonaro, ao impedir a participação do jornal Folha de S. Paulo em um processo de licitação de assinaturas para repartições públicas federais. O segundo, Marcelo Crivella, ao proibir o fornecimento de qualquer informação sobre a administração municipal ao jornal O Globo. A razão de ambos governantes é a ojeriza política aos respectivos veículos de imprensa.

Bolsonaro e Crivella parecem não ter a mínima noção de como funciona o Estado Democrático de Direito. Desde o fim do Absolutismo e o surgimento dos regimes constitucionais democráticos, a separação entre a atividade privada e a pública-estatal passou a ter fronteiras bem definidas. O mesmo se diga dos limites dos poderes da autoridade pública - todas subordinadas à institucionalidade impessoal legitimada pela fonte originária do poder: a soberania popular.

No sistema parlamentarista é mais explícita a separação entre as funções de governo e as do Estado, visto que cada uma delas é exercida por uma autoridade diferente - chefia de governo (primeiro-ministro) e chefia de Estado (presidente da República ou monarca). No presidencialismo, as duas funções (chefia de governo e chefia do Estado) são exercidas pela mesma autoridade (presidente da República). Em ambos os sistemas, contudo, não é mais aceitável o poder unipessoal (virou coisa de ditador). A impessoalidade torna-se a marca da função pública, todas as autoridades estão submetidas aos regramentos da institucionalidade afixados numa Carta Constitucional fruto de um pacto social e político.

Licitações são procedimentos seletivos institucionais, regidos por critérios técnicos, impessoais, estabelecidos, previamente, em lei. Não é lícito à autoridade pública passar por cima desses critérios e fazer valer sua própria vontade. Por isso, é considerada ilegal a discriminação que Bolsonaro impôs à Folha de S. Paulo, excluindo-a da licitação. Há juristas considerando a decisão um crime de responsabilidade.

Quanto ao prefeito Crivella, não lhe cabe negar o acesso de um órgão de imprensa à assessoria pública paga pelo contribuinte para divulgar as informações da administração municipal. Negar essa prestação de serviços aos cidadãos porque se discorda da linha editorial do veículo não tem cabimento na democracia. Se essas duas autoridades se sentem prejudicadas por algo discrepante, que busquem os caminhos legais, não o de pisotear a legalidade para fazer valer um poder unipessoal que a democracia não lhes dá. Se esta dobrar-se à exceção, será engolida. 

 

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