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Confronto das ideias / Medicamento
Opinião

Confronto das ideias / Medicamento

Edição Impressa
Tipo Notícia

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) liberou venda de medicamentos à base de maconha no Brasil. Liberar esse tipo de medicamento é uma decisão correta?

Joel Porfírio Pinto 
Médico psiquiatra
Joel Porfírio Pinto Médico psiquiatra

Sim

O potencial terapêutico de qualquer substância deveria ser analisado, diante do acúmulo de conhecimento, pela autoridade de saúde.

Não é o que se vê na discussão sobre os derivados da cannabis, onde opiniões de outra natureza se infiltram no debate, inclusive atrasando as pesquisas, e por vezes confundindo essa discussão com a legalização da maconha.

Entre as centenas de substâncias presentes na planta, destacam-se os fitocanabinóides, sendo o THC e o CBD os principais, mas só o primeiro é psicoativo; e os terpenos, com efeito antiinflamatório.

Inicialmente, o uso de CBD como anticonvulsivante para casos refratários ganhou repercussão, chegando a ter resolução específica do Conselho Federal de Medicina para uso em epilepsia refratária na infância, sendo o uso uma realidade. Posteriormente, o benefício do CBD foi demonstrado em pesquisas sérias quanto a outros quadros neuropsiquiátricos, e inicialmente em outras áreas, como oncologia, tratamento da dor e dermatologia, por exemplo.

Mesmo o argumento do uso isolado do CBD não se sustenta diante da comercialização regular no Brasil do Mevatyl, combinação de um análogo do THC com o CBD para dor e espasmos musculares da esclerose múltipla. Tal combinação também é utilizada em outros lugares do mundo para melhorar náusea e perda de apetite durante tratamento quimioterápico ou uso de antiretrovirais. Há evidências que o efeito dos componentes seja maior quando juntos (entourage) do que isolados, e do uso potencial em outras situações.

O tempo dos pacientes por vezes não é igual ao da ciência, e certamente não é o da política. Mas não deve essa lhe ser empecilho, sobretudo quando baseada em preconceito. 

 

Antônio Geraldo da Silva
Presidente da Associação Psiquiátrica da América Latina (Apal), diretor e superintendente técnico da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP)
Antônio Geraldo da Silva Presidente da Associação Psiquiátrica da América Latina (Apal), diretor e superintendente técnico da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP)

Não

A discussão sobre cannabis no Brasil tem estado em alta, especialmente sobre o seu uso "medicinal". O assunto tem causado dúvidas não só na população em geral, mas também na comunidade médica, dividindo opiniões.

Das mais de 400 substâncias presentes, poucas são as que estão sob investigação para potencial terapêutico, o que é o caso do canabidiol (CBD) e do tetrahidrocanabinol (THC). Sobre as demais, ainda não há registro de pesquisas com o rigor científico necessário que certifiquem sua eficácia e segurança para uso.

O Conselho Federal de Medicina já autoriza o uso compassivo do CBD para casos de epilepsia refratária em crianças e adolescentes, que não respondam ao tratamento convencional. A Anvisa já autoriza a importação de 11 medicamentos a base de canabidiol, desde que haja prescrição médica.

É preciso realizar testes com a cannabis que obedeçam os mesmos critérios aplicados a novos medicamentos. Se indústrias e órgãos reguladores levam décadas para apresentar novas substâncias ao consumo, compreendendo diversas fases de estudos em laboratório até a sua comercialização, não pode acontecer diferente com as substâncias que derivam da cannabis.

Várias são as substâncias na farmacopeia mundial derivadas da fauna e da flora não usadas in natura, mas sim de forma sintetizada. Podemos citar a morfina, derivada do ópio, e do captopril, sintetizado a partir do veneno de cobra, por exemplo.

Nem tudo que é natural possui potencial terapêutico. Pacientes e familiares precisam ser informados corretamente sobre seu uso, bem como médicos precisam estar atentos às evidências antes de prescrevê-las. 

 

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