Expressei em antigo passado (Modos de agir e de pensar) a crença que o ser humano vive em dois regimes de verdades: prático e teorético. Há quem discorde e diga que o problema é a relação necessária entre os dois. Contudo, quando se observa o mundo, a relação parece inexistir. Por uma razão: o mundo do agir prático tem exigências próprias que dispensa as teorias explicativas porque contém sua própria teoria praticável.
Gostaria de voltar ao tema por outro ângulo, explorando o que chamo de atrofiamento da imaginação criativa. A imaginação foi sempre muito maltratada pelo racionalismo, considerada quase sempre "a louca da casa".
O mundo pode estar cada dia mais concreto e menos abstrato. E pode também ser que estamos usando mais ideias praticáveis. Em sendo assim, significa um mundo vivido de forma imediata e sem uso da imaginação, dominado pela realização das emoções imediatas. No ambiente repleto de objetos concretos, significa uma existência realizada por meio de objetos com significado fechado e emoções determinadas. Os impulsos emocionais nos levam de volta ao objeto exterior que se reforça como objeto autônomo. A sensibilidade fica cada vez mais embotada e dominada pelas coisas imediatas. Esse mundo necessita de seres com capacidade de viver no meio das coisas, tendo seu desejo completamente modelado pela sua experiência imediata.
Paradoxalmente, ao mesmo tempo que reduzimos nossa capacidade cognitiva imaginativa, temos uma representação de maior complexidade do mundo realmente existente. Surpreende o avanço da inteligência artificial nesse momento e a solução para lidar com um mundo muito mais complexo. O mundo mental humano sempre foi diverso, mas sempre ameaçado pela unidimensionalidade latente. No passado, tivemos o alerta e a crítica desse mundo feita pelos críticos da cultura de massas, quase sempre chamados de apocalípticos.
A relação concreto e abstrato tem a ver com o tempo. E o tempo é um mistério. Todos sentimos que passamos por uma revolução na nossa percepção do tempo. Ao acreditarmos numa teoria materialista das sensações, podemos dizer que entre o concreto e o abstrato existe uma gradação de tempo em relação a impressão da coisa. Instante separado por sensações. Quanto mais tempo decorrer a evocação da impressão inicial em forma de imagem mental, mais esta imagem será sentida como abstrata. O tempo abreviado ou quase inexistente recorde uma imagem evocadora de emoções. Nela a pessoa sentirá a sensação de concreto, a pessoa sente o presente no espaço-tempo juntamente com o objeto da percepção.
Enquanto adquirimos consciência aguda e urgente da finitude do atual sistema de coisas, perdemos uma fonte valiosa de imaginarmos mundos alternativos. Essa pode ser a origem de tanta angústia no presente. O ambiente e sonhos que projetava o ser humano para frente desaparecem progressivamente porque nosso modo de existir foi capturado por uma forma histórica de produção econômica e social. A modernidade constituiu-se baseada nas ideias de progresso e utopia. Não se sabe se essa mentalidade eclipsou provisória ou definitivamente.