A Lei nº 13.964/19, sancionada na véspera de Natal, traz profundas alterações na legislação penal e processual penal, afetando as estruturas de organização e funcionamento do sistema de justiça criminal. Uma das novidades é a figura do "juiz das garantias", que não estava incluído no "pacote anticrime" e certamente se tornará um dos pontos mais polêmicos e de maior dificuldade de operacionalização, por burocratizar ainda mais a investigação criminal e provocar despesas públicas.
É certo que o "juiz das garantias" incrementa o perfil acusatório do nosso sistema processual, sustentado na separação entre as funções de acusar (Ministério Público) e julgar (juiz), na medida em que isola o juiz do julgamento da fase de investigação. Para chegar a isso, parte-se da premissa - que, todavia, é discutível - de que o juiz do julgamento pode se deixar "contaminar" pelos elementos colhidos exclusivamente na investigação para formar seu convencimento sobre os fatos da causa, a despeito da restrição expressa constante no artigo 155, do Código de Processo Penal.
Mas como é desgraçadamente frequente na tradição jurídica brasileira, importam-se soluções estrangeiras apenas em partes, sem levar em conta o contexto do sistema em que esses institutos estão inseridos, e por isso, com alto risco de ocasionar mais problemas do que trazer benefícios. Em países como Itália e Portugal, com os quais temos muitas afinidades, a investigação criminal é dirigida pelo MP, que vem da mesma carreira e tem poderes de magistratura semelhantes à do juiz e é auxiliado pelas polícias. Todavia, na lei que entrará em vigor já no final de janeiro, o "juiz das garantias" se imiscui na investigação, por exemplo, ao ter poderes para requisitar documentos à autoridade responsável sobre o andamento da investigação. Trata-se, a meu ver, de uma distorção.
Dito isto, quem garante que a implantação do "juiz das garantias", tal como posto, será benéfica não apenas para os investigados mas também, tendo em vista a necessidade de efetividade da persecução criminal, para a sociedade?