O repertório de discursos obscenos, ancorados no ódio, na ignorância e na grosseria que tivemos que digerir em 2019 fez-me lembrar de Nietzsche quando falava de uma hipersensibilidade olfativa e um extremado sentido de limpeza que o fazia perceber imediatamente os maus odores das entranhas de uma alma ou de um livro. Acrescentaria: e de um governo. Dois mil e dezenove foi um ano fétido, de dar asco. Viramos motivo de piada.
Alguns fragmentos ficaram marcados. Escutamos: "se quiserem vir fazer sexo com nossas mulheres fiquem à vontade", "falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira. Passa-se mal, não se come bem. Aí eu concordo. Agora, passar fome, não. Você não vê gente pobre pelas ruas com físico esquelético como a gente vê em alguns outros países pelo mundo" e "daqueles governadores 'de paraíba', o pior é o do Maranhão. Tem que ter nada com esse cara". Teve essa pérola: "é só você fazer cocô dia sim, dia não que melhora bastante a nossa vida". E mais essa: "o peixe é um bicho inteligente. Quando ele vê uma manta de óleo ali, capitão, ele foge, ele tem medo, obviamente". Essa: "questão ambiental só importa aos veganos, que comem só vegetais". E essa: "queremos uma garotada que comece a não se interessar por política". E aquela que viu Jesus no pé de goiabeira? E meninos de azul e meninas de rosa? E o abuso das meninas da Ilha de Marajó ser justificado por falta de calcinhas? "Que diferença faz quem é Chico Mendes neste momento?" "Se a esquerda radicalizar teremos um novo AI-5". "O Nordeste tem um manual de bruxaria para crianças". "Por vias democráticas a transformação que o Brasil quer não acontecerá na velocidade que almejamos...". "O nazismo é de esquerda". E pra fechar, "você tem uma cara de homossexual terrível...".
E esses foram apenas alguns recortes. Antes fossem fakes. Como não foram, que funcionem como catalizadores das nossas perplexidades, das nossas inquietudes, da nossa resistência. Do nosso desejo por uma outra cena para o nosso País.