Logo O POVO+
CONFRONTO DAS IDEIAS
Opinião

CONFRONTO DAS IDEIAS

Edição Impressa
Tipo Notícia

Após o ataque dos EUA que matou o general iraniano Qasem Soleimani, o Ministério das Relações do Brasil emitiu nota mostrando alinhamento com o governo Trump. A decisão do governo brasileiro pode ser negativa para os interesses comerciais do País?

 

Philippe Gidon 
Professor de Relações Internacionais da Unifor
Philippe Gidon Professor de Relações Internacionais da Unifor

Sim

Independentemente das motivações ideológicas ou estratégicas que possam explicar o teor, a nota do Itamaraty publicada neste início de ano, alguns pontos merecem ser destacados, que podem complicar a política externa brasileira em momento de profundas incertezas e tensões ao redor do globo.

O apoio incondicional reiterado a favor de Trump está, no momento, refém da vontade ou mesmo capacidade deste em cumprir suas promessas de retribuição como, por exemplo, o processo de entrada do Brasil na OCDE.

Em contrapartida, parceiros europeus, membros desta mesma organização, já demonstraram frustração com repetidos comentários e notas, oficiais ou via redes sociais, que prejudicam a qualidade de um relacionamento de tradicional respeito. A entrada do Brasil na OCDE também depende deles.

Da mesma forma, a política pró Trump tende a afetar o relacionamento do Brasil com seus parceiros do Brics, especialmente China e Rússia, ambos engajados em um movimento de competição com os EUA para redefinir critérios de relacionamento entre nações e apontados por Trump como ameaças.

Ademais, o Brasil ao escolher explicitamente um lado, tende a perder sua capacidade de diálogo com todas as partes envolvidas nos complexos conflitos no Oriente Médio.

Na pior das hipóteses, ao justificar e apoiar o assassinato do general Soleimani, pode até provocar a ira de determinados grupos não estatais que queiram vingança contra os EUA ou seus mais próximos aliados, entre os quais, agora, o Brasil.

É provável um ataque terrorista no território brasileiro? Não. Mas o risco, com certeza, ficou mais presente. 

 

Rodrigo Nóbrega
Advogado e filiado ao Partido Novo
Rodrigo Nóbrega Advogado e filiado ao Partido Novo

Não

A relação comercial Brasil e Irã é muito tímida: enquanto no último ano vendemos mais de US$ 2 bilhões entre milho, soja e carne bovina, importamos dos iranianos menos de US$ 100 milhões, o que representa apenas 1% da balança comercial brasileira. Se tem alguém que precisa um do outro é o Irã do Brasil, sobretudo diante das sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos. Mas ainda que fosse expressiva, nenhuma relação comercial é mais importante do que a busca pela paz e segurança entre os povos, o que envolve o combate ao terrorismo, um dos principais produtos de exportação do Irã. Há evidências internacionais de que no governo Lula, período em que a relação entre os dois países mais se estreitou, o grupo terrorista Hezbollah, parceiro do Irã, teria intensificado suas ações na América do Sul, especialmente em países como Venezuela e Bolívia, levantando recursos com o narcotráfico. Soleimani tinha relação íntima com o Hezbollah, grupo que treinou e ajudou a financiar. Além disso, não é a primeira vez em que o Brasil se envolve diretamente num conflito envolvendo o Irã: na década de 1980, o Iraque foi o principal cliente da indústria bélica brasileira durante a guerra que travou com o Irã. Ainda assim, o governo brasileiro mantinha relações comerciais com os iranianos, principalmente com a venda de aviões Embraer. Por tudo isso, a nota do governo brasileiro não deve refletir negativamente nas relações com o Irã e demonstra o protagonismo do Itamaraty, acostumado num passado recente a passar pano na luta contra o terror e em regimes que violam os direitos humanos, tal qual o iraniano. Dessa vez, ficamos do lado certo da História. 

 

O que você achou desse conteúdo?