Após o ataque dos EUA que matou o general iraniano Qasem Soleimani, o Ministério das Relações do Brasil emitiu nota mostrando alinhamento com o governo Trump. A decisão do governo brasileiro pode ser negativa para os interesses comerciais do País?
Sim
Independentemente das motivações ideológicas ou estratégicas que possam explicar o teor, a nota do Itamaraty publicada neste início de ano, alguns pontos merecem ser destacados, que podem complicar a política externa brasileira em momento de profundas incertezas e tensões ao redor do globo.
O apoio incondicional reiterado a favor de Trump está, no momento, refém da vontade ou mesmo capacidade deste em cumprir suas promessas de retribuição como, por exemplo, o processo de entrada do Brasil na OCDE.
Em contrapartida, parceiros europeus, membros desta mesma organização, já demonstraram frustração com repetidos comentários e notas, oficiais ou via redes sociais, que prejudicam a qualidade de um relacionamento de tradicional respeito. A entrada do Brasil na OCDE também depende deles.
Da mesma forma, a política pró Trump tende a afetar o relacionamento do Brasil com seus parceiros do Brics, especialmente China e Rússia, ambos engajados em um movimento de competição com os EUA para redefinir critérios de relacionamento entre nações e apontados por Trump como ameaças.
Ademais, o Brasil ao escolher explicitamente um lado, tende a perder sua capacidade de diálogo com todas as partes envolvidas nos complexos conflitos no Oriente Médio.
Na pior das hipóteses, ao justificar e apoiar o assassinato do general Soleimani, pode até provocar a ira de determinados grupos não estatais que queiram vingança contra os EUA ou seus mais próximos aliados, entre os quais, agora, o Brasil.
É provável um ataque terrorista no território brasileiro? Não. Mas o risco, com certeza, ficou mais presente.
Não
A relação comercial Brasil e Irã é muito tímida: enquanto no último ano vendemos mais de US$ 2 bilhões entre milho, soja e carne bovina, importamos dos iranianos menos de US$ 100 milhões, o que representa apenas 1% da balança comercial brasileira. Se tem alguém que precisa um do outro é o Irã do Brasil, sobretudo diante das sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos. Mas ainda que fosse expressiva, nenhuma relação comercial é mais importante do que a busca pela paz e segurança entre os povos, o que envolve o combate ao terrorismo, um dos principais produtos de exportação do Irã. Há evidências internacionais de que no governo Lula, período em que a relação entre os dois países mais se estreitou, o grupo terrorista Hezbollah, parceiro do Irã, teria intensificado suas ações na América do Sul, especialmente em países como Venezuela e Bolívia, levantando recursos com o narcotráfico. Soleimani tinha relação íntima com o Hezbollah, grupo que treinou e ajudou a financiar. Além disso, não é a primeira vez em que o Brasil se envolve diretamente num conflito envolvendo o Irã: na década de 1980, o Iraque foi o principal cliente da indústria bélica brasileira durante a guerra que travou com o Irã. Ainda assim, o governo brasileiro mantinha relações comerciais com os iranianos, principalmente com a venda de aviões Embraer. Por tudo isso, a nota do governo brasileiro não deve refletir negativamente nas relações com o Irã e demonstra o protagonismo do Itamaraty, acostumado num passado recente a passar pano na luta contra o terror e em regimes que violam os direitos humanos, tal qual o iraniano. Dessa vez, ficamos do lado certo da História.