Dois episódios recentes ajudam, infelizmente, a consolidar o machismo "nosso" de cada dia. Não importa a trajetória de uma mulher. Estamos todas sujeitas ao mesmo tipo de crítica que nos desqualifica como gente, em primeiro lugar. Quando a mulher exerce um trabalho público, podemos perceber o quão cruel o machismo pode ser. Vamos começar com o ator José de Abreu ao falar da atriz Regina Duarte, Secretária Nacional da Cultura não nomeada.
Aliar-se a um governo que é favorável à censura, à tortura, que demonstra não ter apreço algum pela cultura nem pelo conhecimento é algo emblemático. Quando essa aliança parte de uma artista, deixa no ar uma incompreensão medonha. No entanto, o que o ator José de Abreu está fazendo é inaceitável. As grosserias e o modo de falar sobre a atriz reverberam apenas machismo mascarado de crítica política. O mais triste é que muita gente que se diz de esquerda cala ou justifica o modus operandi do ator dizendo: "Quem manda ficar do lado de Bolsonaro?". Nada mais estúpido do que justificar tamanha violência verbal. Regina Duarte é livre para pensar e agir como quiser. Podemos discordar dela do ponto de vista político, e criticar suas ações quanto às políticas culturais do País. Mas nunca atacá-la de forma covarde com faz seu colega de profissão.
O outro episódio veio do jornalista Pedro Bial ao insultar a cineasta Petra Costa, diretora do filme Democracia em Vertigem, que concorre a um Oscar, amanhã, em Los Angeles. A fala de Bial não faz uma crítica à obra. Ela desqualifica a diretora, incluindo seu timbre de voz. Trata-se de uma postura machista, odiosa e arrogante.
Considero Democracia em Vertigem um filme ruim. Não gosto do recorte feito nem da sua edição. Aliás, uma das cenas da película mais emblemáticas, para mim, é quando a mãe de Petra conversa com a Dilma sobre a tortura na prisão. Muitas outras mulheres, no Brasil, foram torturadas na prisão. A mãe de Petra não precisava estar ali, sequer ser entrevistada. A autoficção não me interessa se não se transforma em Arte com "a" maiúscula. Democracia em Vertigem peca pelo excesso de autorreferência. Uma obra é passível de crítica aberta. Nada justifica o destempero de Bial contra a cineasta.
Nos dois casos, o realce é apenas o machismo nosso de cada dia que impera com força em todas as estruturas da nossa sociedade.