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Carolina Ricardo: Armas de fogo: além do direito individual
Opinião

Carolina Ricardo: Armas de fogo: além do direito individual

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Carolina Ricardo
Diretora-executiva do Instituto Sou da Paz 
 (Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Carolina Ricardo Diretora-executiva do Instituto Sou da Paz

Desde o início do atual governo federal foi iniciada uma sequência de flexibilizações na política de controle de armas e munições: oito decretos, uma nova lei e a edição de diversas portarias.

O argumento é a garantia do direito de defesa das pessoas, mas, na prática, se trata da manifestação de um compromisso com grupos que apoiaram o presidente, até porque 70% da população é contra facilitar o porte de armas. Não há mal em atender interesses de grupos de eleitores, desde que seja feito de forma transparente, democrática e sem colocar em risco os direitos dos demais.

Mas a ampliação do acesso às armas tem impacto coletivo, a arma tem potencial letal elevado, alta chance de ser desviada para o crime e de ser usada em conflitos banais. Pesquisas já mostraram que o maior acesso a armas aumenta crimes violentos, aumentam suicídios e mortes acidentais, estas especialmente entre crianças e jovens.

A flexibilização já começa a ser aplicada. Dados sobre novos registros emitidos pela Polícia Federal para posse indicam que entre janeiro e novembro de 2019 houve aumento de 59% em relação ao ano inteiro de 2018. Quanto ao porte, os dados até novembro de 2019 apontam um aumento de 11% em relação a 2018. Também é possível verificar aumento de armas nas mãos de caçadores, atiradores e colecionadores: entre dezembro de 2018 e de 2019, os registros ativos do grupo aumentaram 55% e a quantidade de armas com ele cresceu 24%.

O aumento de armas em circulação e de pessoas com possibilidade de portá-las não é trivial. Casos de mortes banais com armas se tornam cada vez mais comuns, como o em que um homem armado matou uma família após briga de trânsito. É importante também olhar para o impacto que as armas de fogo em casa têm sobre a violência contra a mulher. O Atlas da Violência mostra que, entre 2012 e 2017, o número de mulheres mortas dentro de casa com armas de fogo cresceu 26%. É possível que todas essas dinâmicas desacelerem a redução de homicídios duramente conquistada por diversos estados desde 2017.

É preciso que o debate sobre a flexibilização das armas seja feito à luz das evidências e da premissa de que armas não podem ser tratadas como um instrumento qualquer: elas têm um impacto coletivo na vida de todas as pessoas, independente de quererem ter uma. 

 

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