Depois de imaginar que já tinha visto tudo, em matéria de discriminação regional, o Nordeste é surpreendido por uma estatística inimaginável: o governo Jair Bolsonaro priorizou o Sul e Sudeste com 75% da destinação de novos benefícios do Bolsa Família, enquanto reservou para os nordestinos apenas 3% das novas concessões, em janeiro deste ano. Isso apesar de se saber que a região Nordeste concentra 36,8% das famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza, ocupando portanto o maior número de lugares na fila de espera do Bolsa Família. Os dados foram fornecidos pelo Ministério da Cidadania ao Congresso Nacional e obtidos pelo jornal O Estado de S.Paulo/Broadcast que publicou a descoberta, quarta-feira, 4.
Santa Catarina, que tem população oito vezes menor que a do Nordeste recebeu o dobro do repassado à região nordestina inteira. A contraprova dessa distorção foi obtida quando se comparou as informações com os dados oficiais encontrados na internet. Esse critério enviesado de distribuição de recursos públicos já havia sido sentido antes pelos nordestinos, quando a Caixa Econômica Federal reduziu o volume de novos empréstimos para a região.
De lá para cá discriminações dessa ordem passaram a se constituir em um novo "normal". Nem de longe, o Bolsa Família apresenta neste governo, o perfil que tornou o Programa a "menina dos olhos" dos organismos multilaterais que se dedicam a erradicação da fome e da pobreza absoluta e tem inspirado as ações de governos e instituições humanitárias que lidam com o problema, e não só por isso, mas igualmente pelo viés econômico, como apontam economistas de renome, como Thomas Piketty e outros. Pois, além de permitir o mínimo de dignidade humana, em termos de seguridade alimentar (três refeições básicas por dia) e ser indutor de compromissos da família com a frequência escolar dos filhos e com a cronologia da vacinação, é um fator de fortalecimento e dinamização da pequena economia local, como foi atestado por levantamentos feitos a respeito.
Numa sociedade extremamente desigual como a brasileira, significa manter à tona milhões de vidas descartadas por uma estrutura social iníqua que esmaga cada vez mais os pobres. Graças a esse suporte mínimo, aliado a outras providências estruturais, o Brasil saiu do Mapa da Fome, das Nações Unidas (ONU). Contudo, a partir de 2016 iniciou o caminho de volta ao patamar anterior, jogando por terra essa conquista mínima.
Entre junho e dezembro de 2019, a concessão de novos benefícios despencou a uma média de 5,6 mil por mês. Antes, passavam de 200 mil mensais. Hoje, no Nordeste, 939,6 mil famílias em situação de extrema pobreza (com renda familiar per capita abaixo dos R$ 89 mensais) estão sem acesso ao Programa. Em todo o Brasil, são 2,39 milhões de famílias nessa situação. Cifra escandalosa que é preciso reverter, o quanto antes.