Cidades fundadas para odiar
Cidades, tão altas. Para que?
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Que lindo será reconstruir.
"Las Ciudades", Horácio Ferrer e Astor Piazolla
Ainda há tempo e espaço para se aproveitar os benefícios da técnica milenar de harmonização entre natureza, atividades humanas, estruturas construídas e movimentação de pessoas e bens. Enquanto o urbanismo permaneceu vivo a prática urbana ignorou as antecipações planejadas e preferiu sempre o pragmatismo assistêmico. Neste momento, se não planejarmos juntos a cidade justa, sustentável e eficiente tudo poderá ficar ainda pior. Em 2018, a ONU relatou que até 2050 70% dos humanos estarão vivendo em megacidades, sendo grande parte delas na África, Ásia e América Latina.
A metrópole da era industrial criou o trabalho fora de casa, afetou o ambiente natural, fundou favelas e originou enfermidades por efeitos conflitantes entre os impactos da indústria e as habitações. O zoneamento surgiu como meio de separar as incompatibilidades, mas terminou por separar também as pessoas por propósitos de segregação. Foi assim que a cidade, aquela invenção humana que resumia em sua história de 8 mil anos a matriz do intercâmbio, passou também a servir como um instrumento mais radical do lucro e de separação espacial das pessoas por etnia, crença ou nível de renda. Hoje já sabemos que a forma urbana dispersa é cara, inviável, injusta e, não resulta em boa economia.
A invenção e industrialização dos veículos motorizados expandiu ainda mais nossas cidades, apoiou os residentes mais ricos e segregou os pobres. A estes a cidade moderna impôs longas viagens urbanas, isolando suas famílias e gerando altos custos em seus orçamentos domésticos. Aos motorizados concedeu o desperdício espacial e ambiental com o uso individual de automóveis e assim o espaço das pessoas tem sido constantemente subtraído para apoiar os veículos. Neste processo a cidade entubou rios e riachos, ao mesmo tempo em que inviabilizou propriedades, vizinhanças e negócios a partir do convívio físico opressivo com túneis, elevados e viadutos, que felizmente já começam a ser demolidos onde o urbanismo renasceu.
Ao fim de tudo herdamos ainda nestes 150 anos, os desastres hídricos por excesso de pavimentação e construção, a poluição aérea, as áreas de risco, o crime e o medo do crime. Persiste o desinteresse por soluções de transporte público calibrado com os usos do solo, única maneira de reduzir a dependência de veículos, conectando vizinhanças com os serviços, os centros de emprego e de educação. A técnica urbanística se modificou radicalmente nas últimas décadas e as cidades, principalmente aquelas mais pobres do mundo, já começam a compreender que apesar das grandes incertezas, há evidência de que a grande obra de reconstrução que nos espera será inevitavelmente a cidade viável, próspera, justa, acessível, sustentável e dedicada a todos. Que lindo será reconstruí-la.